“A pandemia não pode servir de desculpa para a irresponsabilidade fiscal.” Abrindo o Webinário de Orientações Técnicas, realizado na tarde desta sexta-feira (17), o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), conselheiro Rodrigo Chamoun, destacou a atuação da Corte capixaba frente à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Este Tribunal fará o seu papel de guardião da LRF. Iremos garantir que as contas continuem equilibradas e assegurar que haja administração pública de pé no pós-pandemia”, afirmou.
O presidente do TCE-ES reconheceu o desafio dos atuais gestores, que vivenciam uma situação atípica não enfrentada por qualquer antecessor. Chamoun elencou os artigos da LRF que foram flexibilizados, recomendando atenção por parte dos gestores, para que não permitam o desequilíbrio das contas públicas. O webinário reuniu mais de 300 gestores e servidores estaduais e municipais durante a transmissão. O vídeo já conta mais mais de 650 visualizações. A gravação está disponível no canal da Escola de Contas Públicas no YouTube.
Confira as orientações dadas pelos auditores de controle externo em cada tema da programação, que foi focada no Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (LC 173/2020).
Auto de infração – Marcelo Fedeszen
Recentemente implantado pelo TCE-ES, válido a partir da remessa encaminhada em julho, o auto de infração eletrônico foi tema da fala do auditor Marcelo Fedeszen. Ele destacou os desafios que o Tribunal para eliminar o envio fora do prazo das prestações de contas, visando a garantia da transparência, do controle social e da fiscalização do controle externo.
O auditor pontuou ainda que respeitar o prazo permite que a Corte produza painéis e previsões de cenários econômicos e fiscais mais fidedignos, a adimplência com o sistema de informações contábeis e fiscais do setor público (SICONFI-STN) e a obtenção de certidões de transferências voluntárias.
Fedezen explicou que o auto de infração eletrônico é gerado automaticamente, pelo sistema CidadES, nas hipóteses de não envio das remessas previstas, conforme IN 43/2017. O descumprimento gera multa de R$ 1 mil. Segundo ele, é uma forma de constranger para o cumprimento das obrigações.
Reflexos e limites impostos pelas normas sobre política de pessoal durante a pandemia
O auditor do Núcleo de Controle Externo de Fiscalização de Pessoal e Previdência (NPPREV) Lyncoln de Oliveira Reis explanou acerca da política de pessoal no contexto da pandemia. Com o objetivo de responder dúvidas frequentes surgidas a partir da nova conjuntura, ele falou sobre algumas normas jurídicas que respondem às questões relacionadas ao tópico, dadas as circunstâncias de calamidade pública.
Para o auditor, a importância de ter responsabilidade com os gastos durante a pandemia da Covid-19 é que “as atitudes que a gente tomar nesse tempo vão determinar se a situação vai estar melhor ou pior” após a crise. Temas como a realização de concursos no período de pandemia; contratações temporárias, limites de gasto com pessoal e regras para contratação de pessoal em final de mandatos foram abordadas por ele.
Citando as Leis Complementares 101/2000 e 173/2020, ele expôs alguns desdobramentos da suspensão em caráter excepcional de algumas normas relacionadas às despesas e limites. Entre elas, está a definição contida na Lei de Responsabilidade Fiscal, de que, caso a despesa com pessoal ultrapasse os limites estabelecidos, o excedente deve ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes.
Além disso, a Lei Complementar de nº 173 instituiu algumas diretrizes a serem seguidas até o dia 31 de dezembro de 2021 por entes da União, Estado, Distrito Federal e Municípios em relação à pandemia e à política de pessoal. Estão vedadas ações como: criação de cargos; alteração na estrutura de carreira e admissão de pessoal que impliquem em aumento de despesa, com algumas exceções.
No entanto, a norma também prevê excepcionalidades como a criação de cargos para acompanhamento da pandemia; reposição de cargos de chefia e vacância de cargos efetivos e vitalícios, desde que não acarretem em novas despesas; assim como contratações temporárias, cujo “excepcional interesse público”, citado no artigo 37 da Constituição Federal, é justificativa para o ato.
Lyncoln também discorreu sobre os limites com o aumento de gastos com pessoal nos 180 dias ao final de mandato e a suspensão de prazos de validade dos concursos públicos já homologados a nível federal, assim como o cumprimento dessa norma também pelos municípios.
Adequações às contribuições previdenciárias em atendimento à Lei 173/2020 – Simone Reinholz Velten e Raquel Spinasse Gil Santos
Os impactos da Lei Complementar 173/2020 nas contribuições previdenciárias foi o tema abordado pelas auditoras de controle externo Simone Reinholz Velten e Raquel Spinasse Gil Santos, durante o webnário. Velten iniciou alertando sobre a suspensão dos pagamentos das contribuições patronais.
“Nós sabemos que todos os entes neste momento passam por dificuldades com a pandemia. Estamos aqui para orientar sobre a possibilidade ofertada pela Lei 173/2020, em seu artigo 9º, que trata da suspensão dos pagamentos das contribuições previdenciárias e dos parcelamentos junto ao Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Antes de os gestores tomarem essa decisão, quero alertar para que pensem na política previdenciária”, frisou a auditora.
O gestor, acrescentou, antes de elaborar o projeto de lei para suspender os pagamentos, deve pensar na gestão da previdência dos servidores públicos municipais. Ele é o responsável por manter o equilíbrio financeiro e atuarial de regime próprio, assinalou.
“Deve avaliar as vantagens e desvantagens desse procedimento, porque isso é uma faculdade que o artigo 9º concedeu aos gestores nesse momento de pandemia. Ou seja, é preciso ponderar se essa folga fiscal e financeira prevista nesse artigo serve para salvar vidas. Primeiro, analise se é necessária essa ação e se precisa desses recursos. Gestores públicos precisam saber as consequências desse artigo”, alertou.
A auditora Raquel Spinasse detalhou o tema. Ela explicou que a previsão da lei complementar 173/2020, que permite aos municípios que possuem RPPS suspender o pagamento de contribuições previdenciárias patronais e as prestações de acordos de parcelamento, está regulamentada pela portaria 14.816, publicada no último dia 22 de junho, no Diário Oficial da União (DOU).
Essa portaria reforça que a suspensão dos valores depende de autorização de lei municipal, que deverá definir a natureza dos valores devidos ao RPPS que serão alcançados pela suspensão das prestações não pagas de termos de acordo de parcelamento firmados até 28 de maio de 2020, com base nos artigos 5º e 5ºa da portaria MPS 402/2008, com vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.
E também no caso das contribuições previdenciárias patronais devidas pelo município e não pagas, relativas às competências com vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.
Após repassar as orientações técnicas, a auditora recomendou aos jurisdicionados muita cautela na adesão das suspensões previstas, pois sem as receitas de contribuições patronais, o munícipio terá que fazer aportes financeiros para assegurar o pagamento das folhas dos beneficiários bem como as despesas administrativas do RPPS.
“Lembrando que esse postergamento terá que ser pago no ano de 2021, cumulativamente com as prestações daquele ano, o que poderá resultar em um sacrifício muito maior para toda a municipalidade. Reiteramos, assim, o alerta para que a opção seja bastante ponderada e feita com muita responsabilidade”, assinalou.
O outro assunto abordado foi necessidade de adequação dos RPPS às normas da Emenda Constitucional (EC) 103 e Portaria 1348/2019. A auditora deixou um alerta: o município que não fizer as alterações no prazo previsto pela emenda poderá sofrer consequências, uma vez que a não adequação das alíquotas vai refletir no equilíbrio financeiro atuarial RPPS”.
A EC 103/2019, também conhecida como Reforma da Previdência, trata de alterações nos regimes próprios dos servidores públicos federais, estaduais, distritais e municipais, quanto às regras de aposentadoria e pensão e também quanto à organização e funcionamento dos referidos regimes, objetivando garantir a sua sustentabilidade.
Neste contexto, a auditora forneceu as orientações técnicas para jurisdicionados. E explicou que, em decorrência da referida emenda, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho editou a Portaria 1.348, no dia 3 de dezembro de 2019, dispondo sobre parâmetros e prazos para atendimento ao artigo 9º da Emenda, estabelecendo a data até 31 de julho próximo para adoção das medidas por Estados, Distrito Federal e Municípios.
“A partir da EC/103, esses benefícios devem ser pagos pelo município, não mais como benefício previdenciário, mas como direito trabalhista ou estatutário. Gostaríamos de ressaltar que o município que não fizer as alterações no prazo previsto estará em desacordo com a EC 103, e poderá sofrer consequências em razão dessa opção política, o que, inclusive, poderá influenciar no julgamento das contas de governo, até mesmo porque a não adequação das alíquotas refletirá no equilíbrio financeiro atuarial do RPPS”, salientou Raquel Spinasse.
LC 173/2020 com enfoque no gerenciamento das fontes de recursos: Romário Figueiredo e Antônio Bolsoni
Tema central do webnário, a Lei Complementar 173/2020 teve desdobramento com os auditores de controle externo Romário Figueiredo e Antônio Bolsoni. Eles deram orientações técnicas sobre o gerenciamento das fontes dos recursos, provenientes do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus.
Neste contexto, explicaram que a União entregará aos estados, Distrito Federal e municípios, na forma de auxílio financeiro, o valor de R$ 60 bilhões. Esse recurso será repassado para aplicação em ações de enfrentamento à Covid-19 e na mitigação de seus efeitos financeiros. Desse total, R$ 10 bilhões são para ações de saúde e assistência social – sendo R$ 7 bilhões destinados aos estados e ao Distrito Federal, e R$ 3 bilhões aos municípios.
“Os recursos para a saúde e assistência social são, inclusive, para pagamento a profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Saúde (Suas), sendo distribuídos de acordo com o total da população”, frisou Figueiredo.
E os R$ 50 bilhões, a União vai repassar da seguinte forma: R$ 30 bilhões aos estados e ao Distrito Federal R$ 20 bilhões aos municípios. Esses recursos serão destinados de acordo com o total da população – com exceção da Capital federal.
O auxílio financeiro não possui natureza tributária. Ou seja, não integra as bases de cálculos para incidência de retenções destinadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); à aplicação mínima de educação (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE); e nem para aplicação mínima de saúde. Além disso, não integram a base de cálculo para repasse de duodécimo ao Legislativo.
Os reflexos da LC 173/2020 no limite de inscrição em restos a pagar (artigo 42 da LRF) – Auditor de Controle Externo Rodrigo Lubiana Zanotti
Coube ao secretário-geral de Controle Externo do TCE-ES, Rodrigo Lubiana Zanotti, abordar o os aspectos relacionados ao artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Tema controverso e que tem gerado amplo debate nos tribunais de contas brasileiros. O dispositivo estabelece a vedação imposta ao titular do poder ou órgão de contrair obrigação de despesa nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato que não possa ser cumprida integralmente no mesmo exercício ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem suficiente disponibilidade de caixa.
“A ideia é que ao assumir um mandato, o gestor administre as receitas e despesas de forma equilibrada, não deixando dívidas para o sucessor. E mais, na hipótese de ter herdado dívidas das gestões anteriores, que parte de suas receitas pudessem ser direcionadas ao pagamento dessas dívidas, caso nem todas possam ser pagas no mandato”, explicou.
Lubiana afirmou que, no TCE-ES, foi a decisão normativa nº 01/2018 que consolidou o entendimento da Corte sobre a apuração do artigo 42. O normativo estabelece que a expressão “contrair obrigação de despesa” refere-se ao momento da celebração do contrato administrativo ou instrumento congênere. O detalhamento dessa decisão consta na reedição do Manual de Encerramento de Mandato, disponível no portal do TCE-ES.
O secretário-geral, então, listou seis entendimentos ratificados pela Corte capixaba acerca do tema:
– Independentemente do encerramento da gestão coincidir ou não com o exercício civil, aplica-se a regra do art. 42 da Lei Complementar nº. 101/2000, na apreciação das contas do gestor que estiver encerrando seu mandato;
– Para apuração da disponibilidade líquida de caixa serão deduzidos: tTodos os encargos e demais compromissos a pagar até o final do exercício, inclusive os restos a pagar não processados de exercícios anteriores, independentemente da natureza da despesa contratada ser de caráter continuado ou não, revestindo-se ou não de caráter de essencialidade, emergência e cuja não celebração importe em prejuízo à continuidade do serviço público; os recursos de terceiros, como depósitos e consignações, outras obrigações financeiras, os Restos a Pagar Processados Não Processados de exercícios anteriores, dentre outros;
– A apuração da disponibilidade líquida de caixa e dos encargos e despesas compromissadas a pagar será individualizada por fonte de recurso.
– O ato de “contrair obrigação de despesa” será considerado no momento da assunção da obrigação, ou seja, da emissão do ato administrativo gerador da despesa, da data de assinatura do contrato, convênio, acordo, ajuste e outros instrumentos congêneres ou, na ausência desses, da data do empenho da despesa, na forma do artigo 62 da Lei 8.666/1993;
– O art. 42 não constitui impedimento para a celebração, nos últimos dois quadrimestres do mandato do gestor, por prazo superior ao exercício financeiro ou com previsão de prorrogação, de contratos previstos nos incisos I, II e IV do art. 57 da Lei nº 8.666/1993, desde que haja suficiente disponibilidade de caixa para pagamento das parcelas vincendas no exercício (tratam dos contratos de gestão continuada);
– As obrigações de despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato e inscritas em restos a pagar processados e não processados, com insuficiência de disponibilidade de caixa, configuram o descumprimento do caput do art. 42.
Diante dessas regras, a LC 173/2020 impactou a apuração do artigo 42 quanto às obrigações contraídas para a implementação de ações de enfrentamento à Covid-19. A alteração promovida no artigo 65 da LRF, com a inclusão do parágrafo 1º, inciso II, dispensou os limites e afastou as vedações e sanções previstas e decorrentes de alguns dispositivos da lei, em especial do artigo 42, desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública. “O artigo 42 tem alta relevância para a garantia do equilíbrio intertemporal das contas públicas. A LC 173/2020 não é salvo conduto para que o artigo 42 seja descumprido”, destacou Lubiana.
Ele explicou como será a aplicação. “Identificada a existência de restos a pagar processados e não processados decorrentes de obrigações contraídas nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato em valores totais superiores à disponibilidade de caixa, desse montante será subtraído toda obrigação (restos a pagar) assumida no mesmo período para ações destinadas ao combate à calamidade pública”.
Todas as palestras preferidas no webinário de Orientações Técnicas estão disponíveis no canal da Escola de Contas Públicas no YouTube. Dúvidas podem ser encaminhas pelo hotsite do TCE-ES sobre o coronavírus.
Veja a fala do presidente na íntegra
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