O Informativo Nacional Fórum, do professsor de Direito Administrativo, advogado e consultor Jacoby Fernandes, trouxe, na última quarta-feira (8), um artigo do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), Domingos Taufner.
Confira abaixo a produção, na íntegra.
A necessidade de modulação, para fins previdenciários, dos efeitos das decisões do STF que atingem servidores estabilizados pelo art. 19 do ADCT
A Constituição de 1988 buscou resolver diversas situações envolvendo os servidores públicos no Brasil, mas em algumas acabou por deixar também lacunas, sendo que nem todas foram bem preenchidas com o tempo.
Uma das situações mal resolvidas pela nossa Carta Magna é o que está insculpido no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Por esse dispositivo, os servidores públicos ingressantes sem concurso público que já se encontrassem em exercício há pelo menos cinco anos na data da promulgação da Constituição passaram a ser considerados estáveis.
A referida previsão não disciplinou de maneira expressa qual seria o enquadramento previdenciário dos servidores conhecidos como estabilizados. Além disso, a previdência do servidor público é assunto pouco debatido nesses quase 34 anos de existência da Constituição de 1988, o que facilita a tomada de decisões equivocadas.
Há entes públicos que enquadraram os servidores estabilizados, por um tempo ou por todo o tempo, como celetistas, recolhendo o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Já outros, acredito que a maioria, os enquadraram no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) não recolhendo FGTS, mas cobrando contribuição previdenciária incidente sobre a totalidade dos vencimentos e não somente sobre o limite do RGPS.
Decisões do STF recentes caminham no sentido de que estes servidores são estáveis, mas não são efetivos já que não prestaram concurso público, não tendo direito aos demais benefícios dos servidores efetivos além da estabilidade. Entretanto, tais decisões têm causado profunda inquietação no meio dos servidores estabilizados, pois a sua grande maioria ou já se aposentou ou está a caminho da aposentadoria e boa parte contribui para o RPPS e trocar de regime no momento da aposentadoria seria algo muito traumático, pois pode acarretar demora na concessão do benefício, perda de direitos, necessidade de iniciar processo judicial, dentre outros problemas, o que pode levar à colisão com o princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, III da CF.
Há de se ressaltar que inclusive até 1998 os ocupantes de cargos em comissão, mesmo os que não eram servidores públicos efetivos, também poderiam estar vinculados ao mesmo regime de previdência do servidor público efetivo. E os estabilizados têm um vínculo mais forte com o ente público do que os comissionados.
Nosso sistema previdenciário é contributivo, inclusive a cada dia as regras de concessão de benefícios estão ficando cada vez mais rigorosas. Os servidores estabilizados cujos entes os enquadrou no RPPS tem contribuído para o referido regime e estão contidos na avaliação atuarial, que fornece os cálculos dos valores necessários para que o poder público faça provisões para futuros pagamentos.
De acordo com o art. 9º da Lei 9.717/1998, que é norma geral previdenciária, a União tem competência, através de seus órgãos afetos a área, para fixação de parâmetros, diretrizes e critérios de responsabilidade previdenciária em vários pontos dos RPPS, inclusive sobre benefícios previdenciários. Exemplo de exercício desta competência é a Orientação Normativa SPS/MPS 02/2009 que em seu artigo 12 prescreve a filiação ao RPPS dos ingressantes até 05 de outubro de 1988, desde que sejam expressamente regidos pelo Estatuto dos Servidores do respectivo ente federativo. E os entes públicos que enquadraram os servidores estabilizados, ou mesmo os ainda não estabilizados, mas admitidos até a promulgação da CF-88, em seu RPPS o fizeram com base nessa orientação, que vinha de um órgão competente para tal e que não havia colisão com as normas previdenciárias constitucionais.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com as alterações inseridas pela Lei 13.655/2018, acrescentou conceitos importantíssimos para o trabalho das esferas administrativa, controladora e judicial. Por exemplo: ao decidir, que considerem as consequências práticas de sua decisão, bem como os obstáculos e dificuldades de um gestor público, além de prever a necessidade de regime de transição quando houver mudança de interpretação de norma.
Não interessa a ninguém que os estabilizados, que durante boa parte deste período pós CF-88 contribuíram para o RPPS, tenham o seu regime previdenciário alterado abruptamente, justamente no momento de sua aposentadoria, tendo que buscar o seu benefício junto ao RGPS. Não interessa ao INSS ter que arcar com essas aposentadorias; não interessa ao ente público, pois terá que arcar com o pagamento do FGTS do período, além de ser obrigado a restituir contribuições recebidas no que extrapolam o teto do RGPS; e também não interessa ao próprio servidor que terá que litigar judicialmente por alguns anos para obter seus direitos num momento delicado, que é o de sua aposentadoria.
Diante disso, torna-se necessária uma modulação dos efeitos das decisões do STF, pelo menos no campo previdenciário, para que os casos de servidores estabilizados, ou mesmo todos os admitidos antes da promulgação da CF-88, já consolidados com a contribuição ao RPPS permaneçam no referido regime e nele possam gozar de sua aposentadoria. E não é somente pelo decurso de um significativo espaço de tempo, mas também pelos outros elementos contidos neste artigo e que são compatíveis com o ordenamento jurídico pátrio.
* Domingos Augusto Taufner é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais pela FDV.
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