Os eventos ocorridos em 2024 alertaram para a necessidade do Tribunal de Contas conceder atenção especial às ações de governança climática. As fortes chuvas registradas na região Sul – principalmente no município de Mimoso do Sul – resultaram em perdas inestimáveis que poderiam ter sido minimizadas ou até evitadas. 

Por outro lado, calor e seca atípicos afetam o cotidiano da população e a produção agrícola, gerando impactos negativos na economia, nas dinâmicas sociais e na prestação de serviços públicos. Todos esses eventos e diversos outros, não citados, ressaltam a importância de os órgãos de controle externo estarem vigilantes. 

A relevância da atuação do controle externo sobre as ações em prol da governança climática levou ao desenvolvimento da ferramenta ClimateScanner. Trata se de iniciativa da Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), que visa avaliar dados oriundos dos governos relativos ao enfrentamento da crise climática. 

A ferramenta evidencia os desafios e as potencialidades locais no enfrentamento das mudanças climáticas e permite que as Entidades Superiores de Fiscalização apoiem o planejamento de trabalhos futuros dos governos e cobrem a sua implementação. 

Apesar da sua importância, a ação dos governos pelo clima ainda não é objeto das prestações de contas no âmbito deste Tribunal. Não obstante, a urgência das medidas de enfrentamento aos recorrentes desastres climáticos, aliada à recente elaboração do ClimateScanner, torna oportuno tecer comentários acerca das ações adotadas pelo governo estadual sobre o tema nesta tão destacada ocasião de apreciação de contas. 

Seguem, abaixo, comentários acerca do quadro de vulnerabilidade do estado a eventos extremos, bem como das iniciativas voltadas à adaptação e à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com o intuito de demonstrar que é inadiável que o TCE-ES priorize, em sua carteira de fiscalizações, o controle das ações de governança climática no estado do Espírito Santo. 

Fenômenos climáticos extremos atingem todo o planeta. Seu impacto, porém, não ocorre de forma uniforme. Particularmente, o Espírito Santo possui suas próprias vulnerabilidades, que também não são homogêneas no território. As ameaças no estado variam, especialmente (mas não só), entre temperaturas elevadas, secas, além de deslizamentos de terra, conforme demonstram diversos estudos e documentos. 

De acordo com a Nota Técnica da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento, do governo federal, o Espírito Santo é o segundo estado com a maior proporção da população em áreas de risco geo-hidrológicos. Segundo esse documento, 71 dos 78 municípios do estado estão vulneráveis e 13,8% da população está em risco e, embora esse dado não apareça explicitamente nessa nota, é importante destacar que as populações mais atingidas são justamente aquelas mais vulneráveis socioeconomicamente. 

Apesar do aumento dos períodos secos, a previsão é de acréscimo da concentração das chuvas, especialmente na região metropolitana. Essa região, de acordo com um grupo de pesquisadores de diversas instituições, “além de apresentar diminuição da precipitação média anual e aumento do número de dias secos consecutivos, também poderá ter aumento da ocorrência de chuvas concentradas, responsáveis por desastres de enxurrada, inundação e deslizamentos”. 

A alteração nos ciclos de chuva está intimamente relacionada às variações de temperatura consistentemente observadas em inúmeros estudos. De acordo com pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo, que estudaram a zona costeira brasileira, o Espírito Santo demonstrou ter sido o mais impactado pela ocorrência de temperaturas extremas. 

Apesar de as projeções indicarem a região Noroeste como a mais afetada, é preciso enfatizar que todo o estado está sujeito ao aumento de temperaturas. De acordo com a organização internacional Climate Central, foi observada uma anomalia de temperatura de 0,84ºC, em média, no Espírito Santo, tendo sido observada um aumento notório de 1,66ºC em dezembro de 2023. Ainda, segundo os dados disponibilizados pela organização, no período de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024, Vila Velha foi a cidade brasileira que apresentou a maior anomalia de temperatura registrada no país: um aumento de 1,15ºC. 

Esses dados, ao lado de muitos outros não citados em função do escopo deste trabalho, apontam para a necessidade de implementação imediata de políticas públicas de mitigação e de adaptação por parte do Estado do Espírito Santo. 

No âmbito estadual, os deveres estatais do Poder Público para com o Meio Ambiente possuem previsão expressa na Constituição do Estado do Espírito Santo. A proteção ao meio ambiente deve ser considerada na política de desenvolvimento estadual, de tal sorte que o crescimento econômico deve ser subordinado a não-degradação ambiental. 

Tanto a Constituição do Estado quanto a Lei Orgânica do Tribunal de Contas reforçam o que, nas duas últimas décadas, a doutrina tem argumentado: pela possibilidade de atuação do controle externo (Tribunais de Contas) no controle da gestão ambiental. 

A Carta Magna estabelece o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum do povo. Ele passa a ser considerado um patrimônio, cuja defesa e preservação são de responsabilidade do Poder Público. Além disso, a realização de fiscalizações sobre o tema pelos tribunais de contas converge para o paradigma do Estado Socioambiental de Direito. 

Diante desse cenário que visa promover uma governança climática mais robusta e estabelecer mecanismos de controle dos deveres estatais para com as gerações atuais e as futuras. É evidente que a fiscalização, pelas Cortes de Contas, tende a integrar a pauta das mudanças climáticas em suas atividades rotineiras. Entre os exemplos práticos apresentados destaca se especialmente a iniciativa do ClimateScanner, mencionada aqui com o intuito de melhor orientar a análise das ações do Governo Capixaba. 

 

Cientes da emergência climática que afeta o mundo inteiro, as Instituições Superiores de Fiscalização de diversos países reuniram-se para elaborar um mecanismo que pudesse sistematizar dados referentes às ações de enfrentamento da crise climática ao redor do mundo. 

Assim, o já citado ClimateScanner pode ser conceituado como uma ferramenta de avaliação rápida sobre as ações dos governos pelo clima. O mecanismo visa, dentre outros objetivos, apoiar o planejamento de trabalhos futuros e avaliar a ação dos governos nacionais pelo clima. Essa avaliação é divulgada para dar um panorama nacional e global sobre as forças e sobre os desafios no enfrentamento das mudanças climáticas. Com os dados obtidos, a ferramenta proporcionará dados que direcionarão o enfrentamento da crise climática. 

O ClimateScanner está estruturado em quatro seções, incluindo uma seção descritiva, com informações gerais sobre o contexto e o perfil do país e três eixos de avaliação: 

  • O Eixo Governança abrange aspectos institucionais, relacionados tanto à mitigação das emissões de gases de efeito estufa quanto à adaptação às mudanças climáticas;
  • O Eixo Políticas Públicas aborda aspectos de mitigação e de adaptação, de forma mais específica e detalhada; 
  • O Eixo Financiamento refere-se a financiamentos locais, nacionais ou transnacionais, provenientes de fontes públicas, privadas e alternativas, que buscam apoiar ações de mitigação e de adaptação. 

 

A ferramenta também prevê a apresentação de uma seção-resumo dos resultados, cujo objetivo é a visualização dos principais pontos fortes e dos desafios do país relacionados à ação climática do governo. Nessa seção-resumo, a plataforma do ClimateScanner identificará e listará automaticamente todos os componentes nacionais com pontuações superiores e inferiores a um nível predefinido. 

Embora o ClimateScanner tenha sido desenhado para aplicação pelas EFS dos governos nacionais, é possível que este TCE-ES se espelhe no mecanismo para avaliar a governança climática. Em que pese ainda se tratar de ferramenta em fase de teste, de treinamento dos operadores e de aperfeiçoamento, já foi amplamente divulgado que alguns dos dados também consideram ações subnacionais.  

Ao “filtrar” dados do Espírito Santo na ferramenta ClimateScanner, é possível encontrar uma série de informações. Logo no início do Relatório Técnico, o documento apresenta dados relativos à população, índice de desenvolvimento humano (IDH), composição do produto interno bruto (PIB) do estado dividido por setores da economia, assim como outras características reunidas sob o título “Características socioeconômicas do Estado”. 

O Relatório Técnico também inclui os panoramas dos setores industrial, agropecuário, florestal, e dos resíduos (gerais e sólidos). Outro ponto apresentado são informações valiosas a respeito da matriz energética do estado. São expostos dados a respeito da matriz elétrica, especificamente, além de elaborar projeções e registros quanto à utilização de gás natural e quanto ao potencial de geração de energia a partir de fontes renováveis. 

Os dados levantados revelam uma realidade que muitos já conhecem, mas por vezes optam por ignorar, isto é, que a matriz energética do Espírito Santo ainda depende de fontes não renováveis, do petróleo, expressivamente: um recurso escasso, finito, e incerto do qual o estado, não pode depender. 

O Relatório Técnico também apresenta considerações acerca do potencial de geração da energia solar, da energia hídrica, bem como a partir da biomassa e do hidrogênio. A respeito da relevância desse último para o estado, os autores assinalaram ser possível que o hidrogênio verde seja utilizado no processo de produção do aço, neutralizando emissões. Ademais, evidenciaram que já existem demandas e projetos identificados para a produção dessa fonte de energia. 

A ferramenta disponibiliza uma análise SWOT detalhada para cada uma das áreas temáticas das ações estratégicas – citando ameaças, oportunidades, pontos fortes e fracos. 

Entre outros pontos apontados pela ferramenta ClimateScanner, mas aqui suprimidos, é possível verificar a presença de diversas medidas e de estruturas governamentais voltadas à redução da emissão de gases de efeito estufa e de adaptação aos desastres climáticos. 

  •  Economia verde 

Conforme demonstrado, o prognóstico do Espírito Santo frente às mudanças climáticas é preocupante. No entanto, mais do que um desafio, as ações de enfrentamento representam uma oportunidade. Tanto as ações de mitigação da emissão de gases de efeito estufa bem como as de adaptação aos eventos climáticos trazem consigo a possibilidade de inovação, de geração de empregos, de aumento da qualidade de vida e de crescimento econômico. 

Ao contrário, ignorar as evidências da emergência climática traz inúmeros prejuízos. Os efeitos das mudanças climáticas custam caro, economicamente sem contar as perdas de vidas, de sonhos, de história, e outras que são irrecuperáveis. Assim, reduzir as emissões de carbono e adaptar as cidades para serem resilientes aos desastres mostra se vantajoso por todos os ângulos, inclusive o econômico. 

Além disso, o gasto com a reconstrução das devastações ocasionadas por tragédias climáticas excede muito o gasto com a prevenção dos efeitos. O caso recente de Mimoso do Sul ilustra a urgência e a economicidade de ações preventivas. Os danos decorrentes das fortes chuvas que atingiram o município em 2024 ultrapassam R$ 100 milhões, ao passo que as obras de prevenção tinham o custo aproximado de R$ 20 milhões. 

Além da economia com gastos para reconstrução, é possível efetivamente crescer em decorrência das ações de mitigação e adaptação. Em todo o mundo, são inúmeros os exemplos de cidades, estados e países que melhoraram suas finanças enquanto reduziam a emissão dos gases de efeito estufa e se adaptavam aos efeitos das mudanças climáticas. 

Em comum, verifica se que todas essas mudanças, seja na redução da emissão de gases ou na adaptação às mudanças, foram impulsionadas por políticas públicas. Na prática, são justamente as políticas públicas que induzem em grande parte a mitigação das emissões. 

As mudanças climáticas requerem medidas ágeis e corajosas a serem tomadas por parte dos governos. Nesse cenário, o Espírito Santo, sem embargo da sua situação de vulnerabilidade, tem o potencial de se tornar referência nacional. A condição do estado é uma mola propulsora para que ele lidere a transição energética de maneira exemplar. Da mesma forma como o estado, vencendo grandes desafios, superou seu passado fiscal turbulento e, hoje, é modelo de responsabilidade fiscal, será também a inspiração na construção de um futuro próspero, seguro e sustentável.