O último dia do I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas começou dando destaque ao manejo sustentável das águas pluviais. Em dois paineis foram apresentadas a importância da água das chuvas para a sustentabilidade das bacias hidrográficas e os instrumentos de manejo das águas pluviais na construção de cidades resilientes.
O primeiro painel contou com a participação de Flávia Salim, especialista em recursos hídricos e manejo de águas pluviais, e Bruno Ventim, auditor de Controle Externo do TCE-BA. A mediação do debate ficou sob responsabilidade de Ana Cristina Correa, coordenadora-substituta de Drenagem Urbana na Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
A especialista em recursos hídricos foi a primeira palestrante do dia. Flávia destacou ações que podem minimizar os impactos das fortes chuvas nas cidades. “Muito se falou sobre os eventos extremos e acredito que o nosso objetivo seja responder duas questões: ‘o que vai acontecer após um evento extremo de chuva?’ e ‘por quanto tempo eu terei água disponível durante um período de estiagem?’”, introduziu a professora.
Segundo ela, o ideal era que toda água da chuva conseguisse infiltrar no solo. Isso faria com que o nível dos rios variasse menos, mesmo durante períodos de chuvas ou estiagem. Como isso não acontece, algumas medidas precisam ser adotadas pelo poder público.
Entre as medidas citadas pela especialista, está o controle de escoamento da água – processo que pode ser feito tanto em ambientes urbanos quanto rurais.
“É ultrapassado pensar que a melhor forma de drenagem é a que escoa a água de forma mais rápido. Isso só transfere o problema para outro lugar. As cidades que estão conseguindo reduzir os impactos das chuvas estão trabalhando com controle do escoamento”, advertiu.
Mostrando diversas imagens, Flávia Salim mostrou como a construção de barraginhas, reflorestamento de áreas e manutenção dos leitos maiores dos rios ajudam no controle de escoamento da água para os rios no ambiente rural. “Já no meio urbano é possível criar políticas públicas para manter uma área mínima permeável nos lotes das casas, construir calçadas com áreas de infiltração, além de parques lineares e áreas para o acúmulo de água”, exemplificou.
Plano
Já o auditor Bruno Ventim falou sobre a experiência do TCE-BA nas análises de políticas públicas – sobretudo as que são voltadas para as questões de saneamento e recursos hídricos. No início, ele apresentou algumas metodologias utilizadas e logo passou a discorrer sobre as análises do Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) Bahia 2035 – documento alvo de auditoria.
“Neste primeiro momento, focamos o trabalho na parte de drenagem e recursos hídricos e logo observamos na legislação muitos pontos ausentes ou incompletos no que diz respeito aos recursos hídricos. Quando analisamos a drenagem e manejo de águas pluviais, vimos que a lei não tem regulamentação desde 2008, quando foi publicada”, disse.
O auditor ainda citou a existência de um plano estadual de manejo e esgotamento que contempla 400 dos 417 municípios da Bahia. “Infelizmente, mesmo tendo sido criado em 2011, ele ainda não avançou uma linha”, lamentou.
Já na parte final da palestra, Bruno Ventim fez algumas sugestões que podem melhorar a política de saneamento e recursos hídricos. Entre os exemplos, ele citou a regulação de cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a criação de indicadores que possam medir o avanço das políticas públicas relacionadas ao tema, além de focar os recursos em ações que tenham maior utilidade para a população.
Logo depois, Flávia e Bruno responderam diversas perguntas feitas pelos participantes do I CSTC.
Drenagem
Dando sequência, o Painel 10 tratou dos instrumentos de manejo de águas pluviais na construção de cidades resilientes, mediado pelo presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, Pablo Lira.
A primeira apresentação foi da coordenadora da Agência Nacional das Águas, Ana Cristina Strava Correa, que retornou ao palco para falar sobre os aspectos que a autarquia tem considerado para as atividades de drenagem. Ela explicou que busca-se um aprimoramento das atividades de drenagem de águas pluviais, que devem incluir o transporte, detenção ou retenção dessa água para o amortecimento de vazões de cheias, e também o tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas.
O desafio é grande, visto que dados do SNIS de 2020 mostram que apenas 4,6% dos municípios possuem algum tipo de tratamento para águas pluviais e 17,4% dos municípios possuem Plano Diretor de Drenagem.
Ana Cristina apresentou as frentes de ação da ANA, como as leis e regulações, para editar as normas de referência; o Programa de inundações ribeirinhas, com o zoneamento de áreas de risco, o Atlas de Cidades Vulneráveis, e também ações de capacitação e apoio técnico. Mostrou também o painel de Drenagem e Manejo de águas pluviais urbanas (DMAPU).
Para que os Estados de municípios saibam como atuar na regulação e nas normas de referência propriamente ditas, a agência tem uma trilha regulatória. Hoje discute-se sobre a possível cobrança da prestação dos serviços de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais Urbanas (DMAPU), além de sua sustentabilidade financeira. Isso porque o assunto tem relação tanto com a gestão das águas urbanas quanto com a melhoria dos serviços públicos e segurança hídrica nos centros urbanos.
No entanto, essa cobrança é um tema que vem sofrendo um intenso debate no meio jurídico sobre as condições e legalidade de uma possível taxa ou tarifa que aporte os recursos necessários para a prestação dos serviços de drenagem e manejo de águas pluviais, conferindo maior segurança para a população contra inundações, por exemplo.
“A Regulação pode sim fazer diferença para tornar as cidades mais resilientes. Mas antes de cobrar, precisamos ter boas normas de estruturação e definição dos serviços. Na Agência, vimos a oportunidade de a nova norma incentivar a quebra de paradigma da infraestrutura cinza, para começar a mostrar para os municípios que parques lineares, reservatórios de detenção, telhados verdes, também podem ser parte da infraestrutura que vai prestar o serviço de drenagem”, explicou.
Ela mostrou ainda que gestão das águas pluviais tem uma interface com o planejamento urbano, sobre o que pode impermeabilizar e o que não pode; também a questão institucional, de gestão e legislação, como por exemplo o Plano Diretor de Drenagem; e metas de atendimento e qualidade dos serviços.
“Saneamento deve contemplar a gestão da água, do esgoto, dos resíduos sólidos e da drenagem. Simplificando, se tivermos resíduos sólidos funcionando direito, esgoto coletado e tratado, dificilmente teremos problema de drenagem. É preciso trabalhar a capacidade dos sistemas”, afirmou.
Caso do Piauí
Também sobre o tema, o auditor de Controle Externo do TCE-PI Alisson de Moura Macedo palestrou sobre a atuação do tribunal de contas na fiscalização dos instrumentos de gestão e investimentos realizados na drenagem urbana na capital, Teresina.
Ele mostrou um processo de Levantamento do TC realizado sobre as ações voltadas ao manejo das águas pluviais na cidade. Foram considerados os eventos naturais do ciclo fluvial, como as enchentes e inundações, e também outros eventos derivados da ação humana, como os alagamentos e enxurradas, que tem arrastamento de detritos e representam risco à vida humana. Desde 2018, houve cinco óbitos relacionados a eventos hidrológicos em Teresina.
“A drenagem urbana não pode ser tratada como um problema sazonal. Não é porque chove apenas 5 meses ao ano, de janeiro a maio, que o problema deve ser minimizado. A drenagem muitas vezes é tratada como o primo pobre do saneamento básico”, mencionou.
Na fiscalização, o Tribunal do Piauí identificou alguns agravantes para o sistema de drenagem: ocupações em áreas de risco, como na faixa margem do rio; deficiências na limpeza e manutenção do sistema de drenagem e a disposição irregular de esgoto na rede de drenagem.
Ele citou que há uma resolução da Atricon que estabelece que os TCs devem verificar se os municípios possuem Plano Diretor de Drenagem Urbana e a sua efetividade.
“Eu destaco a palavra efetividade, porque é em cima disso que o tribunal deve atuar. O tribunal deve fazer uma análise de resultado desse plano diretor, para que não seja só uma carta de intenções. E precisamos entender se o município está considerando a possibilidade de novas soluções, quando vai contratar algum serviço”, afirmou.
Na conclusão do processo, Alisson citou que o tribunal verificou se as ações previstas pela gestão guardavam correspondência com o que foi previsto no Plano Municipal, e verificou-se que haveria um custo acima de R$ 6 bilhões, em valores. “A gente sabe que o município não tem capacidade para investir esse valor que está no plano, então como o Tribunal pode exigir o que está disposto no Plano?”.
“Uma forma inteligente de aturamos é verificar se o município atende às condicionantes aderir fundos de investimento. Existem formas de apoio técnico e financeiro da União, para conseguir recursos, e investir em seu sistema de drenagem”, concluiu.
Antes do encerramento do painel, os participantes puderam encaminhar perguntas aos palestrantes.
O Congresso
Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas tem por objetivo discutir a importância de uma visão estruturada da bacia hidrográfica como espaço de planejamento e gestão regional e local, em busca da universalização e da melhoria de eficiência dos serviços de saneamento básico, em conformidade com o Marco Legal do Saneamento.
A construção do CSTC nasceu da iniciativa do Grupo Temático de Saneamento da Rede Integrar e conta com a parceria de importantes instituições que, ao longo dos últimos anos, tem trabalhado para uma melhor a atuação dos tribunais de contas na fiscalização da política de saneamento, como Instituto Rui Barbosa (IRB), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) e Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop).
Em sua primeira edição, o I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas está sendo sediado no Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES).
O evento ainda tem apoio do Comitê de Meio Ambiente e Sustentabilidade; da Rede Integrar do IRB; da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom); da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos (Audicon); da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON); do Conselho Nacional de Presidentes de Tribunais de Contas (CNPTC); e dos Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) e de Rio de Janeiro (TCE-RJ).