O segundo dia do I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas (CSTC) abriu espaço para as discussões sobre a crise hídrica enfrentada no país. Durante a manhã, foram feitas quatro palestras que mostraram diferentes visões sobre o tema.
Quem iniciou os debates foi o diretor-geral da Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (Agerh), Fabio Anhert. Ele apresentou uma visão local sobre os impactos e as influências dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos na prestação dos serviços de água e esgoto no contexto de crises hídricas.
Segundo Anhert, as vazões dos rios capixabas vêm caindo de 10 anos para cá. “Estamos vivendo uma nova realidade hidrológica e isso impacta muito no saneamento porque é preciso calcular o nível de diluição dos efluentes tratados antes de devolvê-los aos rios”, explicou o representante da Agerh.
A diminuição da vazão dos rios ocasiona um menor potencial de diluição do esgoto tratado. Agora, como resolver essa equação se os rios estão com potenciais de diluição menores, mas mais esgoto precisa ser tratado? Para Fabio, esse assunto deve ser tratado de forma entre as instituições.
“O Marco do Saneamento está aí e precisamos chegar à universalização do saneamento. É claro que as agências reguladoras não serão um empecilho para isso, mas também é preciso respeitar o limite dos rios para que eles tenham uma vazão considerável mesmo nos períodos de estiagem”, disse.
Logo depois, o diretor-geral da Agerh falou sobre projetos da Agência que incentivam o uso racional da água, o saneamento básico rural, que fazem a modelagem hidrológica, a simulação de reservatórios, entre outros trabalhos.
Fiscalização
Na sequência, o auditor de Controle Externo do TCE-PB Júlio Cavalcanti Neto detalhou ações de gestão hídrica sob a perspectiva do controle externo. Duas auditorias foram dadas como exemplo: uma sobre o panorama hídrico da Paraíba e outra sobre o combate à desertificação do semiárido – esta com apoio do IRB, Atricon e outros tribunais de contas.
“O semiárido é caracterizado por chuvas anuais que vão de 200 a 800mm por ano, altas temperaturas, e longos períodos de seca, entre outros pontos. E nós observamos que de 2021 para 2024, 50 novos municípios passaram a se enquadrar na classificação de clima semiárido. Hoje, já são mais de 1.400 com esse clima no Brasil”, disse.
“Nesses municípios, pouco observamos secretarias de Meio Ambiente, e quando tinha era junto com Agricultura. Então, este tema, apesar de ter um grande impacto socioambiental, ainda é não é pauta das administrações”, acrescentou.
A mediação do debate foi feita pelo diretor da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), Filipe Sampaio. Ele ressaltou, em sua fala, a aproximação da Agência junto aos tribunais e demais agências de regulação.
“É muito gratificante ver como essa temática tem avançado entre os tribunais de contas. Deixo meus parabéns aos organizadores por incentivar o debate a um assunto tão raro”, comentou.
Eficiência
Após as apresentações do Painel 5, que trataram sobre os instrumentos de gestão, a eficiência do sistema de abastecimento de água foi o tema abordado pelos painelistas da sequência. Mediado pela coordenadora do Núcleo de Controle Externo de Meio Ambiente, Saneamento e Mobilidade Urbana (NASM), Ana Emília Thomaz, o Painel 6 abordou as possibilidades de enfrentamento à crise hídrica.
As apresentações ficaram a cargo do vice-presidente Regional Sudeste da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e presidente da Cesan, Munir Abud, e do coordenador do Núcleo de Desestatização e Regulação (NDR) do TCE-ES, Guilherme Abreu.
Ao introduzir o tema, Ana Emília citou que a Lei do Marco do Saneamento Básico, além de exigir a universalização, estabelece também a melhoria na eficiência dos serviços. Atualmente, no Brasil, um índice de 38% de toda a água que é coletada e tratada, posteriormente é perdida no sistema de abastecimento, sendo que o percentual tolerado seria de 25%.
“Vamos tratar aqui nesse painel sobre iniciativas. A lei estabeleceu que os contratos de prestação devem além de universalizar, melhorar a sua eficiência, sendo que nos contratos de concessão, é obrigatório que tenham outras alternativas, como reuso de água e a dessalinização. Precisamos discutir como isso precisa ser tratado, considerando que temos pouca reserva de água”, pontuou.
Em sua exposição, o vice-presidente da Aesbe, Munir Abud, defendeu que o principal caminho a ser adotado por qualquer presidente de Companhia hoje é enxergar a melhoria do seu sistema e aprimorá-lo. Considerando os transtornos que são causados por obras de saneamento, é preciso buscar tecnologias alternativas e métodos de construção não destrutivos para reformar as redes de saneamento de dentro para fora.
“Na Cesan, iniciamos um ‘contrato de perdas’, em que o contratado faz um diagnóstico de nossa rede e apura as perdas, e no ano seguinte começa a receber um percentual sobre aquilo que foi reformando na rede. Pagamos o particular com aquilo que ele combate de perda”, citou.
“Na Capital, substituímos toda a rede das principais vias utilizando métodos robotizados, sem causar danos à pavimentação. O problema disso é que é custoso, e nem todas as companhias têm ao seu dispor um orçamento que pode ser direcionado ao aprimoramento de um sistema. A grande maioria ainda tem problemas de abastecimento primário da população”, acrescentou.
Ele fez um destaque à equipe do Tribunal de Contas do Espírito Santo, “pois vocês são sócios da universalização da Cesan. Pois o nosso programa de universalização está diretamente pautado em um grande programa de subconcessões e PPPs, que passa por essa Casa, que trabalha com maestria”, declarou também.
Abud pontuou que devido à escassez de água, uma das soluções precisa ser ir atrás de novas fontes de recursos hídricos. Em relação ao reuso, há uma nova PPP em análise, para o município de Vitória. “Quando leiloado, Vitória terá a possibilidade de que todo seu esgoto seja utilizado como água de reuso, ou seja, em vez de ser descartado no mar, será reutilizado na atividade industrial, vai virar receita para a Cesan. Talvez seja uma das primeiras cidades no mundo com essa modernidade.”
Ele também mencionou que a Cesan fez um estudo para ter a maior usina de dessalinização do país. “A estrutura é de fato mais cara, e por isso, a água dessalinizada é cara, custa até o dobro do valor. Mas qual é o custo de não ter água? O custo para o abastecimento não pode ser medido apenas de maneira financeira”, frisou.
Desestatização
Dando sequência, o coordenador do NDR do TCE-ES, Guilherme Abreu, apresentou uma parte do trabalho do núcleo nos processos de desestatização, que ocorre tanto antes da publicação do edital, como também durante a execução dos contratos.
Ele colocou os pontos que devem receber maior atenção pelo controle externo, sendo eles os indicadores de desempenho mal formatados (piora na qualidade do serviço, ausência de sensibilidade); uma matriz de riscos deficiente; a fiscalização deficiente; falhas nos editais; falta de capacitação por parte do Poder Concedente Municipal (fragilidade frente à Procedimento de Manifestação de Interesse) e a ausência de iniciativa por parte de municípios com SAAE visando a universalização.
Abreu concluiu que até o momento, nos 26 municípios do Estado em que a Cesan não atua, boa parte ainda não alcançou a universalização, mas só foi apresentada ao NDR uma iniciativa de concessão. Por isso, é preciso maior cobrança do Ministério Público e dos tribunais de contas para que os municípios alcancem a universalização em 2033, sem a necessidade de prorrogações da lei.
Após, foi aberto o espaço para perguntas dos participantes.
O Congresso
O Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas tem por objetivo discutir a importância de uma visão estruturada da bacia hidrográfica como espaço de planejamento e gestão regional e local, em busca da universalização e da melhoria de eficiência dos serviços de saneamento básico, em conformidade com o Marco Legal do Saneamento.
A construção do CSTC nasceu da iniciativa do Grupo Temático de Saneamento da Rede Integrar e conta com a parceria de importantes instituições que, ao longo dos últimos anos, tem trabalhado para uma melhor a atuação dos tribunais de contas na fiscalização da política de saneamento, como Instituto Rui Barbosa (IRB), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) e Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop).
Em sua primeira edição, o I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas está sendo sediado no Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES).
O evento ainda tem apoio do Comitê de Meio Ambiente e Sustentabilidade; da Rede Integrar do IRB; da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom); da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos (Audicon); da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON); do Conselho Nacional de Presidentes de Tribunais de Contas (CNPTC); e dos Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) e de Rio de Janeiro (TCE-RJ).
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