Um estudo desenvolvido pela área técnica do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) provou a existência de uma relação entre o número dos casos de dengue com a falta de saneamento básico nos municípios. O trabalho foi realizado pela equipe do Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas de Saúde (NSaúde).
Para este estudo, foram levados em consideração os dados das primeiras 14 semanas de 2024 – período em que todo o Brasil registrava muitos casos da doença. Segundo o levantamento, até o dia 2 de abril, quatro Estados, além dos Distrito Federal, apresentavam uma incidência de dengue superior a mil casos a cada 100 mil habitantes – Distrito Federal (2.890,5), Minas Gerais (1.896,1), Paraná (1.831,7), Espírito Santo (1.499,7) e Goiás (1.371,7).
Para o Ministério da Saúde, a incidência é considerada alta quando existem mais de 300 casos para cada 100 mil habitantes. Seguindo esta classificação, 63 dos 78 municípios capixabas apresentaram no período observado uma alta incidência de dengue – necessitando de mais atenção os municípios de Barra de São Francisco (8.548,64), Laranja da Terra (7.824,05), São Domingos do Norte (5.262,55), João Neiva (4.602,6), e Ecoporanga (4.524,37).
Já entre as cidades com menor incidência da doença estavam Guarapari (75,41), Iúna (132,91), Marataízes (169,33), Venda Nova do Imigrante (176,24) e Governador Lindenberg (181,67).
Saneamento
Com o intuito de identificar possíveis causas da incidência de dengue nas regiões mais afetadas, é importante considerar fatores associados a infraestrutura e saneamento básico. “A literatura aponta que, embora condições climáticas possam impulsionar a propagação do mosquito transmissor da dengue, problemas de saneamento também desempenham um papel significativo para o vetor da dengue. Portanto, ao avaliar os dados municipais de saneamento, podemos identificar possíveis lacunas que contribuem para o aumento da incidência da doença no Espírito Santo”, apresentou o estudo.
“É crucial destacar que as políticas públicas de saneamento básico desempenham um papel fundamental na promoção da saúde e qualidade de vida da população. Elas criam um ambiente que reduz significativamente a presença de vetores, como animais e insetos, que propagam parasitas, bactérias e agentes patogênicos. Isso, por sua vez, contribui para a prevenção e controle de doenças, tais como hepatites, dengue, verminoses, diarreias, cólera, toxoplasmose, entre outras”, ressalta o material.
Passando para a análise dos investimentos em saneamento básico, observou-se que, em 2021, apenas quatro dos 78 municípios capixabas conseguiram atingir a universalização no que se refere à coleta de esgoto, oferecendo esse serviço essencial para mais de 90% da sua população. Além disso, foi visto que um terço dos municípios do Estado fornecia água potável para menos da metade da sua população, evidenciando uma deficiência significativa nesse serviço essencial.
“A partir dos dados de incidência em 2024 e dos indicadores de saneamento básico, foi observada uma correlação inversa. Ou seja, municípios com piores sistemas de saneamento básico tendem a apresentar maior incidência de dengue”, concluiu o levantamento.
A título de exemplo, a equipe do NSaúde apontou Barra de São Francisco, que registrou uma incidência de 8.548 casos, o acesso ao saneamento básico é considerado baixo. Apenas 65,01% da população é atendida com abastecimento de água, em comparação com a média estadual de 83,4% e nacional de 84,9%. A situação do tratamento de esgoto é ainda mais preocupante, com apenas 20,43% da população atendida, enquanto as médias estadual e nacional são de 59,5% e 56%, respectivamente.
“Essa deficiência nos serviços básicos pode explicar ou estar contribuindo para o aumento nos casos de dengue no município, já que as políticas de saneamento não contemplam toda a população. No município, o bairro Irmãos Fernandes lidera com 612 casos, seguido por Campo Novo com 384 casos e Vila Landinha com 311. O Centro da cidade registrou 220 casos”, destacou o estudo.
Relação muito semelhante foi observada no município de Laranja da Terra – segunda maior incidência de dengue no Estado. “Os dados dos municípios do Espírito Santo sugerem que aqueles com piores indicadores de infraestrutura de saneamento, coleta de lixo, além daqueles com menor geração de empregos e maiores desigualdades de renda, tendem a apresentar uma incidência mais elevada de dengue”, acrescentou o relatório.
São Domingos do Norte, com a terceira maior incidência de 2024 no estado, não registrou investimentos em saneamento no ano de 2022, e possui sua cobertura de esgoto e abastecimento de água consideradas relativamente baixas, de respectivamente 36,09% e 50,65%. Isso também é observado em outros municípios.
Cariacica, por outro lado, a apresentou um investimento em saneamento relativamente alto em comparação à média do estado e teve baixa incidência de dengue nas últimas quatro semanas, além de intensidade média ao longo do ano. O município possui cobertura de coleta de lixo para 99% da população, 84,66% de abastecimento de água, mas ainda tem margem significativa para investir em esgoto, cuja cobertura é de apenas 35,5% da população.
Multifatorial
O estudo ainda ressalta que, apesar de haver uma relação entre a falta de saneamento e a incidência de dengue nos municípios, outros fatores também influenciam a quantidade de casos da doença. João Neiva, por exemplo, tem bons indicadores de saneamento e coleta de resíduos, mas é o quarto em incidência da doença.
“Esse dado ressalta que, embora o saneamento básico seja um fator influente na disseminação de casos de dengue, a doença é multifatorial, sendo impulsionada por diversos fatores, como clima, condições de higiene e presença de água parada, os quais são difíceis de analisar com precisão”, pondera a avaliação.
Por fim, o estudo destaca a necessidade de se investir em saneamento básico para a redução do número de casos de dengue. “A análise dos dados sugere uma correlação inversa entre a incidência da doença e a infraestrutura de saneamento básico, reforçando a importância de investimentos nessa área para o controle efetivo do vetor transmissor. Considerando a complexidade dos fatores envolvidos, é fundamental a implementação de medidas integradas e estratégias de prevenção que abordem tanto aspectos ambientais quanto socioeconômicos, visando reduzir a incidência da dengue e promover a saúde da população capixaba”, conclui.
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