
Confira abaixo a íntegra do artigo de autoria do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), Rodrigo Chamoun.
Cinco anos depois: o Dia Zero do combate à Pandemia no Espírito Santo
No dia 20 de março de 2020, o Espírito Santo cruzou o limiar de um tempo sem precedentes. O governador Renato Casagrande anunciava decisões difíceis, impostas pela maior crise sanitária da nossa geração. Naquele instante, não havia mapas, não havia roteiros, não havia manual de como enfrentar o maior
desafio da humanidade nos últimos cem anos. A pandemia não respeitava fronteiras, não reconhecia ideologias, não permitia hesitações. Impunha-se com brutalidade, exigindo ação imediata, determinação e coragem.
Dias antes, reunimos emergencialmente os chefes dos Poderes e das instituições para avaliar a gravidade da situação. Eu presidia o Tribunal de Contas do Estado. Recordo-me da tensão sufocante no ar, dos olhares carregados de incerteza, da sensação de que estávamos à beira de uma tempestade invisível, mas cuja fúria já pressentíamos. O mundo assistia, paralisado, ao colapso dos sistemas de saúde europeus, ao desespero nos corredores dos hospitais, ao rastro de perdas irreparáveis. No Brasil, a onda ainda se formava no horizonte. Mas sabíamos: era questão de tempo até que nos atingisse com força devastadora.
Não há preparo para um evento dessa magnitude. Nenhuma gestão pública. Nenhum governante. Nenhuma instituição. Ninguém imaginava que um dia veria cidades inteiras paralisadas, hospitais saturados, milhares de vidas interrompidas de forma abrupta. O medo alastrava-se tão rapidamente quanto o próprio vírus. Mas havia uma certeza inabalável: não poderíamos hesitar. Precisávamos liderar, tomar decisões que preservassem vidas – ainda que isso significasse enfrentar sacrifícios, resistências e dilemas morais quase insuportáveis.
Aquela reunião foi um divisor de águas. O governador e sua equipe apresentaram um cenário desafiador, baseado nos dados de especialistas e de autoridades sanitárias. Ficava claro que medidas dramáticas seriam necessárias. No Tribunal de Contas, o desafio era monumental: como garantir que as respostas do governo fossem céleres e eficazes, sem renunciar à transparência e à legalidade na gestão dos recursos emergenciais?
O TCE-ES desempenhou um papel crucial no enfrentamento da pandemia. Estruturou sua atuação em quatro grandes frentes de trabalho, todas voltadas para garantir que a resposta à crise fosse não apenas eficaz, mas também transparente e responsável:
• Orientação estratégica aos gestores públicos. Com a rápida implementação de medidas emergenciais, tornou-se fundamental fornecer diretrizes claras sobre a nova legislação relacionada à Covid-19, com especial atenção às contratações emergenciais e ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. A atuação preventiva do TCE-ES permitiu que gestores conduzissem suas ações dentro da legalidade, mitigando riscos e assegurando maior eficiência na aplicação dos recursos públicos.
• Fiscalização intensa da gestão fiscal. Em meio a uma crise sanitária inigualável, manter o equilíbrio das contas públicas era um desafio. O Tribunal acompanhou de perto a execução orçamentária, garantindo que os gastos emergenciais não comprometessem a estabilidade fiscal do Estado e dos municípios. O objetivo era claro: evitar endividamentos excessivos ou gestões irresponsáveis que pudessem prejudicar o futuro.
• Monitoramento rigoroso das contratações emergenciais. Diante da urgência na aquisição de insumos hospitalares, de equipamentos e de serviços, o TCE-ES estabeleceu uma fiscalização contínua sobre os processos de compras públicas emergenciais. Esse controle visava prevenir irregularidades, otimizar os gastos e garantir que cada recurso fosse efetivamente convertido em benefício da população.
• Acompanhamento dos impactos da pandemia nas políticas públicas. Além do colapso sanitário, a pandemia deixou marcas profundas em áreas essenciais, como saúde, educação e assistência social. O Tribunal fiscalizou os desdobramentos das decisões governamentais, avaliando sua eficácia e contribuindo para aperfeiçoar políticas públicas que atendessem às necessidades emergenciais da população.
Com essa atuação estratégica e vigilante, o TCE-ES desempenhou um papel essencial na governança da crise, garantindo que a resposta à pandemia fosse pautada pela transparência, pela responsabilidade fiscal e pela eficiência na aplicação dos recursos públicos.
Hoje, cinco anos depois, somos capazes de olhar para trás e compreender a dimensão do que enfrentamos. O Espírito Santo atravessou a pandemia com perdas irreparáveis, mas também com a marca de uma gestão que escolheu o caminho da ciência, da vida e da responsabilidade pública. Tudo isso, preservando, o máximo possível, sua economia. As cicatrizes permanecem, mas junto a elas reside um aprendizado inestimável: governar é ter a coragem de tomar decisões impopulares quando o que está em jogo é o bem comum.
Relembrar o “dia zero” do combate à pandemia no Espírito Santo não é apenas um exercício de memória. É um tributo àqueles que resistiram. É um tributo àqueles que lutaram. É um tributo àqueles que fizeram a diferença.
Rodrigo Chamoun
Conselheiro do Tribunal de Contas do Espírito Santo
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