Para enfrentar os índices elevados de violência de gênero contra as mulheres e meninas, incluindo violência sexual, doméstica, feminicídios e outras formas de abuso, o Estado do Espírito Santo e seus municípios já vêm implantando, ao longo dos anos, programas, políticas públicas, disponibilização de equipamentos públicos, entre outras medidas.
É papel dos gestores públicos atuar nas dimensões de prevenção da violência, no acolhimento e assistência das mulheres em situação de violência, na proteção dessas mulheres, e a repressão e na reabilitação dos agressores.
Contudo, uma auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) identificou deficiências na realização dessas ações. A falta de atendimento suficiente para todos os tipos de violência, e também de um diagnóstico regionalizado sobre o problema, além da ausência de um plano específico para enfrentamento à violência contra meninas até 14 anos são algumas das grandes dificuldades.
Avaliando se as ações de enfrentamento à violência contra mulheres e meninas estão sendo eficazes no Estado, com foco específico nas iniciativas de prevenção e acolhimento, a auditoria ainda verificou que faltam metas e indicadores claros. Também concluiu que os resultados de monitoramento e avaliação das políticas públicas não são observados nas leis orçamentárias, e que falta uma base de dados padronizada, unificada e acessível.
Outras questões apontadas foram que não existe no Estado uma política de capacitação e de campanhas educativas permanentes, e que as fontes de financiamento das políticas públicas destinadas às mulheres, especialmente as relacionadas ao enfrentamento à violência, não são suficientemente claras no orçamento estadual, deixando de especificar diversas ações existentes, na maioria dos órgãos públicos.
A auditoria, realizada pelo Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Outras Políticas Públicas Sociais (NOPP – SecexSocial) do TCE-ES, avaliou os resultados das ações realizadas no período 2022-2024, a partir de quatro temáticas: governança da política pública; desempenho operacional; fontes de financiamento e atingimento de metas e objetivos; além de gestão de dados e informações.
Os resultados do trabalho foram detalhados no “Seminário de enfrentamento à violência contra meninas e mulheres” do TCE-ES. A data, denominada “Dia do Laço Branco”, marca a campanha internacional de mobilização dos homens pelo fim da violência contra as mulheres.
O processo de auditoria, a ser julgado pelo Tribunal de Contas, tem como relator o conselheiro Luiz Carlos Ciciliotti. A proposta do relatório técnico foi para emitir 18 recomendações à Secretaria Estadual das Mulheres (Sesm), com o objetivo de contribuir para a formulação, implementação e monitoramento das políticas, programas e ações de enfrentamento à violência contra as mulheres e meninas. A Secretaria foi efetivada em 2023, e tem como função articular e executar ações de políticas públicas de promoção, proteção e defesa das mulheres. (Veja algumas ao final)
Contexto
As principais estatísticas de violência contra as mulheres e meninas no Espírito Santo apresentam um aumento no número de registros, e não apresentam tendência de queda. As estatísticas registradas estão, em sua maior parte, acima da média nacional, com as piores taxas do Sudeste em feminicídio, em homicídio de mulheres e violência sexual por 100 mil habitantes. Também cresceram os registros de violência doméstica, que incluem delitos previstos na Lei Maria da Penha, ameaças e descumprimento de medida protetiva, conforme o Relatório Técnico do TCE-ES.
Em relação ao estupros de mulheres e de vulneráveis, no Espírito Santo foram 1.489 casos em 2023, número 9% maior do que o de 2022 e 34% maior do que em 2021. Isso representa uma média de mais de quatro casos diários. A taxa do estado é de 75,8 por 100 mil habitantes, sendo superior à média nacional de 69,3 por 100 mil habitantes, ocupando a pior posição da região Sudeste. Destaca-se que, em 2023, 74% dos casos registrados (1.100) foram de vítimas de até 14 anos de idade.
O tribunal compilou e analisou os importantes marcos na legislação para o enfrentamento à Violência contra Mulheres e Meninas. Além das normas federais, aprovou-se no Espírito Santo o Plano Estadual de Políticas para as Mulheres (PEPMES), o Pacto Estadual – com vigência até 2024 –, e a Política Estadual de Atendimento à Mulher Vítima de Violência.
Também já há uma estrutura de estado responsável por orientar e implementar as políticas públicas para as mulheres, com a Secretaria Estadual das Mulheres, além de diversos órgãos envolvidos no enfrentamento à violência contra a mulher, como a Secretaria da Segurança Pública (Sesp), Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES), Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) e prefeituras municipais.
Eles atuam em uma rede de atendimento, que possui serviços como a Casa Abrigo Estadual, Centros Regionais ou municipais de Atendimento Especializado às Mulheres, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, entre outros equipamentos públicos.
Mas a auditoria identificou que não há uma base de dados padronizada, unificada e acessível sobre violência contra mulheres e meninas, integrando as informações produzidas pelos diferentes órgãos que fazem parte da rede de atendimento. Também verificou embora a articulação entre as instâncias participantes da política de enfrentamento à violência seja fundamental, existem fragilidades na articulação e integração entre o Governo do Estado e os municípios.
Iniciativas específicas por perfil
Uma das conclusões do trabalho dos auditores do TCE-ES foi de que políticas, programas e ações do Governo do Estado não têm conseguido abranger todos os tipos de violência e de perfil das vítimas, visto que as ações atuais ainda são insuficientes em relação à violência sexual contra meninas e adolescentes.
Embora meninas e adolescentes até 18 anos sejam desproporcionalmente afetadas por esse tipo de violência, conforme os dados, não foram identificadas iniciativas específicas por parte do Poder Público para abordar de forma adequada esse problema público.
“Ao analisar os planos, programas e ações existentes para o enfrentamento da violência contra a mulher, a equipe de auditoria constatou uma fragilidade significativa no enfrentamento da violência sexual, especialmente quando as vítimas são crianças e adolescentes. Não foram identificadas iniciativas específicas voltadas para esse grupo”, mostra o relatório.
Por esta razão, uma das recomendações do TCE-ES na auditoria foi para a Secretaria Estadual das Mulheres articular com outros atores estaduais para desenvolver planos, programas ou ações específicas voltadas para a prevenção e o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
A equipe de auditoria também analisou documentos para verificar se foi utilizada alguma evidência específica para fundamentar uma possível priorização de determinado perfil ou de tipo de violência, e questionou as metas e indicadores formalmente estabelecidos que especificassem perfil ou tipo de violência. O que se conclui é que não há um diagnóstico específico que realize um recorte por tipo de violência ou perfil da vítima para fundamentar a priorização de algum perfil do público-alvo.
Isso foi constatado quando os órgãos do Estado e nove municípios mencionaram deficiências no atendimento à violência sexual. Entre as queixas, destacaram a falta de hospitais próximos para realizar atendimentos especializados.
“É fundamental definir claramente as funções e responsabilidades de cada membro na rede de proteção para evitar sobreposições e fragmentações. A falta de coordenação entre os atores envolvidos pode resultar em lacunas na proteção e no atendimento às vítimas, comprometendo a eficácia da política”, ressalta o relatório.
Recursos
Outro ponto relevante apurado na auditoria foi que as fontes de financiamento dos órgãos envolvidos não estão claramente identificadas e alocadas, para atingir os objetivos e metas definidos nas políticas, programas e ações destinadas às mulheres e meninas.
O tribunal observou que as fontes de financiamento para as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher não estão completa e claramente identificadas nas respectivas programações-orçamentárias. Isso significa que algumas iniciativas das políticas para mulheres estão inseridas em ações e programas orçamentários que incluem outras políticas, inviabilizando a consolidação dos gastos totais com a política objeto da fiscalização. Como resultado, é inviável consolidar o total de recursos públicos destinados a essas ações com base nos dados orçamentários disponíveis.
E ainda, algumas metas e indicadores não são claros ou não foram atingidos; como também não se observaram os resultados de monitoramento e avaliação das políticas públicas nas leis orçamentárias.
A auditoria analisou e concluiu sobre outras questões:
- As estruturas de governança e gestão para enfrentamento à violência contra mulheres e meninas não atuam de maneira totalmente coordenada e coerente entre si. Falta sincronização na percepção e atuação das secretarias de estado e órgãos autônomos envolvidos. A ausência de uma instância de coordenação e a comunicação inadequada entre as instituições prejudicam o alinhamento das estratégias e das políticas e ações de enfrentamento à violência contra a mulher.
- Foram encontradas fragilidades na articulação e integração das ações entre o Estado e os municípios. A estrutura organizacional voltada para a política de enfrentamento à violência na maior parte dos municípios é frágil.
- Não há uma política de capacitação permanente para os profissionais envolvidos no atendimento, registros, prevenção, proteção e repressão à violência doméstica e familiar contra mulheres e meninas.
- São realizadas campanhas educativas de prevenção à violência contra mulheres e meninas destinadas ao público escolar e à sociedade em geral, bem como campanhas de divulgação dos serviços especializados da rede de atendimento, mas não possuem caráter permanente, e não existe uma cartilha de orientação específica sobre os serviços oferecidos por essa rede de enfrentamento à violência.
- Não há um diagnóstico estadual regionalizado e abrangente, que leve em consideração dados territoriais, para embasar a implantação da política de enfrentamento à violência contra mulheres e meninas, visando ampliar e fortalecer a rede de atendimento.
- Não foi implementada no estado uma base de dados padronizada, unificada e acessível, que possa orientar estudos, campanhas de prevenção e políticas públicas voltadas ao enfrentamento à violência contra mulheres e meninas. Embora os órgãos da rede de enfrentamento possuam sistemas e bases de dados próprios, essas informações permanecem isoladas, sem integração entre os diversos atores da rede e inacessíveis para uso compartilhado.
Para corrigir essas fragilidades, a equipe técnica sugeriu que o Plenário aprove o envio de recomendações à Secretaria Estadual das Mulheres. Entre elas:
- Adotar uma estratégia de comunicação coordenada e abrangente que permita a colaboração entre todas as partes envolvidas. A estratégia deve incluir o estabelecimento e a divulgação de canais efetivos de comunicação e consulta entre as diferentes partes interessadas.
- Fomentar o fortalecimento das estruturas organizacionais no âmbito dos municípios, por meio da implementação de novas Organizações de Políticas para as Mulheres – OPMs, com o objetivo de ampliar a capilarização das políticas de enfrentamento à VCMM.
- Incluir no planejamento a realização de campanhas permanentes de prevenção à violência contra mulheres e meninas, direcionadas tanto ao público escolar quanto à sociedade em geral.
- Utilizar o diagnóstico regionalizado para subsidiar a elaboração do novo Pacto Estadual e a aprimorar a oferta de equipamentos especializados no enfrentamento à VCMM no interior do Estado.
- Articular com outros atores estaduais para desenvolver planos, programas ou ações específicas voltadas para a prevenção e o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
- Instituir uma base de dados estadual padronizada, unificada e acessível sobre a violência contra mulheres e meninas, para sistematizar e integrar as informações geradas pelos diversos órgãos envolvidos, como saúde, psicossocial, segurança pública, justiça e promotorias.
O Relatório Técnico com todo o detalhamento pode ser acessado aqui.
Acesse aqui as ferramentas de dados disponíveis do Espírito Santo sobre a temática.
- Painel de Monitoramento da Violência contra a Mulher – SESP: https://sesp.es.gov.br/painel-de-violencia-mulher
- Observatório MulherES: https://ijsn.es.gov.br/observatorios/observatorio-mulheres
Resumo em tópicos
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