As mudanças climáticas e os desafios à sustentabilidade urbana e gestão do saneamento estiveram no foco do I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas (CSTC). Na tarde do primeiro dia de evento foram realizadas quatro palestras – divididas em dois paineis – sobre este tema.
Do primeiro painel participaram o coordenador de Mudanças Climáticas da Superintendência de Estudos Hídricos e Socioeconômicos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Saulo Aires de Souza, e a auditora de Controle Externo do TCE-RS Flavia Burmeister Martins. O debate foi mediado pelo procurador de Contas do TCE-MA Ruy Marcelo Alencar de Mendonça.
Logo no início dos debates, Ruy Marcelo deu seu depoimento como morador da região Amazônica, que vem sofrendo com a fumaça proveniente dos incêndios da região. “Afirmo que todos nós, do Amazonas, estamos dispostos a participar intensivamente das discussões e eventos dessa importante temática. Eu já fui cético em relação a este tema e superei à força dos acontecimentos”, disse.
“Uma coisa é ler sobre o assunto, outra coisa é sentir na pele esses desastres naturais. E é isso que temos vivenciado no Amazonas”, acrescentou.
Na sequência, o coordenador de Mudanças Climáticas da ANA apresentou diversos estudos e trabalhos que a Agência tem feito sobre o tema. “Provavelmente este seja o tema mais desafiador para a humanidade neste século. E não imaginávamos que essas mudanças fossem chegar de forma tão avassaladora. Há questões climáticas acontecendo atualmente que eram esperadas para 2040”, revelou.
De forma resumida, os dados da ANA mostram uma relação quase paradoxal. Está chovendo mais e menos, ao mesmo tempo.
“Os estudos mostram que tem chovido em maior quantidade em toda a América do Sul. Por outro lado, também tem aumentado o número de dias sem chuva nessa região. Isso quer dizer que quando chove, a chuva é muito forte. E os municípios não estão preparados para essas quantidades de água”, explicou.
Ele também falou sobre a importância de os planos de recursos hídricos estarem integrados aos planos de mudanças do clima e aos planos setoriais – de estados, municípios, setores industriais, agrícolas e outros.
Resiliência climática
Já na segunda parte do painel, a auditora de Controle Externo Flavia Burmeister Martins tratou a resiliência climática nos serviços ecossistêmicos. Em sua apresentação, a auditora destacou que a humanidade se desenvolveu num período de equilíbrio da temperatura e da emissão de carbono. “Agora, nós estamos alterando isso e não sabemos ao certo o impacto que terá”, disse.
Ela ressaltou a perda da biodiversidade observada nas últimas décadas, lembrou os efeitos dos eventos El Niño e La Niña no clima brasileiro e concluiu apresentando ideias para tentar melhorar a situação. Entre os exemplos citados estão o da cidade gaúcha de Santiago.
“Lá foi criada uma moeda verde que incentiva os moradores a fazerem a gestão correta do lixo orgânico. A cada cinco quilos entregues à prefeitura, o cidadão recebe ‘1 pila’ e esse dinheiro é convertido para 1 real nas feiras orgânicas do município. E isso tem ajudado tanto os moradores que fazem a separação do lixo quanto os agricultores”, afirmou.
Adaptação das cidades
Ainda na programação da tarde, os congressistas puderam acompanhar o quarto painel do dia, que abordou a “Capacidade de mitigação e adaptação das cidades diante da realidade das mudanças climáticas”. Mediado pelo conselheiro diretor da Escola de Contas do TCE-ES, Rodrigo Chamoun, o painel trouxe dados sobre os problemas de saneamento, seus desafios e oportunidades relacionados à economia, meio ambiente, saúde pública e qualidade de vida nas cidades.
Coordenadora-geral de Adaptação na Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Inamara Santos Melo compartilhou o que está sendo produzido no âmbito federal para fortalecer a agenda de clima na dimensão da adaptação e de mitigação às mudanças climáticas, em especial o “Plano Clima” e o “Adapta Cidades”.
“Temos iniciativas estruturantes, que prometem fazer avançar a agenda de clima. Estamos no momento de revisão do “Plano Clima”. Nós partimos de uma premissa de que a implementação da agenda de adaptação não se trata de algo do governo federal, essa lente climática precisa ser incorporada no conjunto das políticas tanto estaduais, quanto municipais, para garantirmos uma política que possa ser estruturante, e trazer adaptação às cidades brasileiras”, explicou.
Ela também defendeu que os Tribunais de Contas cobrem responsabilização dos agentes públicos pela descontinuidade, ou não implementação de políticas que seja as suas obrigações.
“Hoje já há muitas ações que cobram a omissão, a inação frente à emergência climática. É claro que precisamos ‘dosar esse remédio’, e não dá para adotar uma régua única. Existem muitas questões que são muito complexas e independem de gestores. Muitos municípios não detêm a renda, as condições ou a capacidades para lidar com determinados desafios que envolvem medidas estruturantes. Mas não é possível admitir omissão ou descontinuidade dessas agendas”, afirmou.
Dando sequência, José Miguel Carneiro Pacheco, que é gerente de Mudanças Climáticas da cidade do Rio de Janeiro trouxe uma apresentação sobre o caso de sucesso do município, com suas políticas públicas frente às mudanças climáticas.
Ele mostrou que uma das primeiras frentes de trabalho foi estabelecer metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Apresentou alguns dos marcos legais criados ao longo das duas últimas décadas e como é feito o monitoramento das emissões dos gases.
Entre eles, alguns instrumentos de planejamento como o Plano de Vulnerabilidade Climática, e o Plano de Desenvolvimento Sustentável. Trouxe também algumas inovações do município, como o Programa de Registro e Comunicação da Ação climática local da cidade do Rio de Janeiro (Proclima.Rio) e Soluções baseadas na natureza, cuja abordagem consiste em trabalhar a partir do próprio funcionamento dos ciclos ecológicos para fazer um retroajuste ambiental. O servidor incentivou os municípios a iniciarem iniciativas desta forma.
“As prefeituras realmente sofrem com a falta de recursos, financeiros e humanos, a maioria está com dívidas com a União, tem a Lei de Responsabilidade Fiscal para cumprir. Mas quando um secretário de Meio Ambiente entra, ele tem ali alguns desafios mais imediatos, que podem ser em relação a lixões, a invasões, e muitas vezes a agenda das mudanças climáticas, das energias renováveis e da transição energética fica para depois”, disse.
A indicação dada por ele é de tentar buscar parcerias com organizações que possam colocar o município no mapa das políticas públicas das mudanças climáticas. “Quando o município estabelece uma Política Municipal de mudanças climáticas, elabora o seu inventário de emissões, ele está dando um sinal para muitos bancos de investimento, agências de fomento, de que ali estão em busca de um desenvolvimento sustentável, e quando isso acontece, as portas começam a se abrir. Seja com recursos, editais, fundos, parcerias. Então o trabalho começa ao fazer esse dever de casa”, completou.
Fechando o painel, o conselheiro substituto do TCE do Ceará Itacir Todero apresentou o projeto do “Selo TCE Ceará sustentável”, criado para reconhecer iniciativas que os municípios realizam e que podem melhorar o meio ambiente.
“Fiscalizar política pública não é só calcular receita e despesa. Há muitas ações que não tem dinheiro envolvido. É o tribunal de contas que deve puxar para si essa responsabilidade de fiscalizar. E também pensar ‘como eu trago o engajamento da sociedade a essas políticas?’ Além de ter uma agenda de fiscalização, ter uma agenda positiva, para premiar, certificar as boas práticas”, ressaltou.
Na mediação das perguntas da plateia, o conselheiro Rodrigo Chamoun pontuou que as mudanças climáticas são um desafio planetário, cujas soluções muitas vezes se encontram nas cidades.
“O controle, por meio dos tribunais de contas e Ministério Público, possui uma carteira de atuação muito ampla, competências constitucionais nos amparam para avaliar o desempenho das políticas públicas, a qualidade da governança climática dos municípios e estado. Temos competência técnica, com nossos auditores, temos tecnologia embarcada, e pode contribuir muito para impedir descontinuidade de projetos. A principal orientação é que os tribunais podem atuar de forma muito contemporânea, não deixando de fazer o seu papel, de controle da legalidade, mas indo muito além”, concluiu.
O Congresso
Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas tem por objetivo discutir a importância de uma visão estruturada da bacia hidrográfica como espaço de planejamento e gestão regional e local, em busca da universalização e da melhoria de eficiência dos serviços de saneamento básico, em conformidade com o Marco Legal do Saneamento.
A construção do CSTC nasceu da iniciativa do Grupo Temático de Saneamento da Rede Integrar e conta com a parceria de importantes instituições que, ao longo dos últimos anos, tem trabalhado para uma melhor a atuação dos tribunais de contas na fiscalização da política de saneamento, como Instituto Rui Barbosa (IRB), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) e Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop).
Em sua primeira edição, o I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas está sendo sediado no Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES).
O evento ainda tem apoio do Comitê de Meio Ambiente e Sustentabilidade; da Rede Integrar do IRB; da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom); da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos (Audicon); da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON); do Conselho Nacional de Presidentes de Tribunais de Contas (CNPTC); e dos Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) e de Rio de Janeiro (TCE-RJ).
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