Encerrando as discussões do segundo dia do Congresso de Saneamento, especialistas falaram sobre a fiscalização e controle na política de saneamento mais uma vez divididos em dois paineis. Os convidados abordaram sobre a desigualdade do saneamento em território nacional, a necessidade de uma padronização das auditorias realizadas sobre o tema e fiscalizações já realizadas.
O primeiro painel foi composto pelo conselheiro do TCE-AP Reginaldo Ennes, pela representante do Instituto Brasileiro de Auditorias em Obras Públicas (Ibraop), Valéria Cristina Gonzaga, e o auditor federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União Felipe Gustavo de Souza Peñaloza. A mediação ficou com a conselheira do TCE-SP, vice-presidente de Desenvolvimento e Políticas Públicas do IRB, Cristiana de Castro Moraes.
Logo na abertura do painel, a mediadora destacou a mudança do objetivo dos tribunais de contas. “Ao longo do tempo, temos observado um alargamento das competências dos tribunais de contas. Antes ele era muito legalista. Hoje, muito mais que a conformidade, estamos observando a efetividade do gasto público”, disse a conselheira Cristiana Moraes.
“O tribunal analisa muitos temas, mas são temas inter-relacionados. E, com certeza, a qualidade de vida da sociedade é afetada pelas análises feitas pelos tribunais de contas sobre todos esses temas”, acrescentou.
Desigualdade
Outro conselheiro, Reginaldo Ennes, deu sequência às reflexões da tarde. Ele destacou que o saneamento básico até evoluiu no Brasil, mas ainda de forma muito desigual. “Muitos índices aumentaram, mas ainda temos, por exemplo, favelas fluviais na Amazônia. Temos no Amapá a maior favela fluvial do mundo onde 52 mil pessoas vivem sobre palafitas”, destacou.
Com dados, o conselheiro mostrou a desigualdade. Na região Norte, 85,3% da população não tem acesso à rede de esgoto. No Sudeste são 19,1%. Já a média nacional é de 44%. Números semelhantes são observados na oferta de água e coleta de resíduos sólidos.
“Para reduzir essa desigualdade, precisamos trabalhar de forma uniformizada. Os tribunais de contas não podem pensar de forma diferente. Claro, cada região terá especificidades, mas o modelo de atuação deve ser o mesmo. Até porque, tribunais de contas não são apenas fiscalizadores, mas indutores de boas políticas públicas”, concluiu.
Os dois palestrantes seguintes abordaram questões mais técnicas referentes às normas de auditoria. Valéria Cristina falou sobre os procedimentos de auditoria do Ibraop e reforçou a importância de uma uniformização nas atividades de controle dos serviços de saneamento. Já Felipe Peñaloza, do Tribunal de Contas da União, detalhou o acompanhamento da implementação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico pelo TCU. Segundo ele, são três os principais objetivos da universalização dos serviços de saneamento até 2033: maior uniformidade regulatória; seleção competitiva do agente prestador do serviço; e prestação de serviço de forma regionalizada.
Experiências
Encerrando a programação do segundo dia do CSTC, foram realizadas palestras sobre a atuação dos tribunais de Contas no controle externo da política pública de saneamento básico. Auditores do Espírito Santo, Pernambuco e Rio de Janeiro explicaram como estão estruturadas as áreas de saneamento e meio ambiente nos TCs em que atuam e compartilharam experiências de fiscalização na área.
Antes de passar a palavra aos palestrantes, o mediador do Painel, o auditor do TCE-AP Maurício Oliveira de Souza, citou nominalmente os membros do GT do Saneamento do Instituto Rui Barbosa, responsável por apoiar o evento e colaborar com a proposta técnico-científica do Congresso. Ele ressaltou que o grupo discutiu diversas temáticas ao longo do ano, como difusão e compartilhamento de boas práticas de fiscalização e identificação e detalhamento de quatro capacitações fundamentais para fortalecer a atuação dos TCs.
“A atuação em rede gera produtos importantes. Temos que fortalecer a atuação dos TCs senão corremos o risco de sermos cobrados de não termos atuado de maneira firme. Os Tribunais têm que atuar de forma antecipatória, preventiva, concomitante”, destacou, passando a palavra para a auditora do TCE-ES Lygia Sarlo.
Ela tratou das estratégias utilizadas pela Corte capixaba e os desafios a serem enfrentados em prol do acesso universal ao saneamento básico. Lygia fez um breve histórico da atuação do TCE-ES no tema saneamento, relatando que até 2016 as ações eram pontuais. Em 2020, com uma reestruturação geral, houve a criação de núcleos com atribuições relacionadas à temática, sendo o principal o Nasm.
A auditora apresentou três estratégias utilizadas pelo TCE-ES voltadas ao assunto. A principal, segundo ela, é formular suas ações de controle a partir das políticas públicas, relacionando com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e verificando planejamento, ações e resultados. As outras duas são adotar todas as modalidades de fiscalização (como operacional, conformidade, levantamento e acompanhamento) e contrapor os serviços aos investimentos que os municípios fazem por ano e por habitante, demonstrando os esforços para universalização do acesso.
A partir dessas estratégias, três resultados foram alcançados: lançamento do Ranking Capixaba de Saneamento Básico, usando a mesma metodologia do Instituto Trata Brasil; construção do Observatório do Saneamento Básico, que é um painel eletrônico em que o cidadão pode conhecer a realidade do saneamento dos municipios e regiões capixabas; e a indução ao início da implementação da política estadual do saneamento básico.
Ela detalhou, ainda, trabalhos de fiscalização na área e as constatações mais corriqueiras, passando, por exemplo, pela ausência de implementação de políticas de saneamento e de suas respectivas estruturas de governança e gestão; ausência de designação de ente regulador por parte dos titulares dos serviços; precariedade da estrutura regulatória e fiscalizadora em todos os níveis; ausência de planejamento urbano e de regularização fundiária, prejudicando o saneamento; incompatibilidade das tarifas com necessidade de investimentos e fragilidade dos contratos de prestação de serviços.
Pernambuco
O olhar para o Saneamento também foi intensificado em Pernambuco após uma reformulação da Diretoria de Controle Externo, em 2023. De lá até agosto deste ano, foram realizadas 85 fiscalizações, passando por temas de resíduos sólidos, drenagem, água, esgoto, eixos do saneamento, barragem e desastres naturais. Os auditores Victor Correia de Oliveira Pereira e Victor Correia de Oliveira Pereira, do TCE-PE, iniciaram a apresentação, explicando que, na Corte pernambucana, a relatoria também é temática. Segundo eles, o atual plano de controle externo traz quatro eixos: política pública e planejamento, regulação, contratação / execução e monitoramento das ações.
Os auditores apresentaram os objetivos, metodologia e resultados de diversas fiscalizações, como o acompanhamento de PPP de esgoto RMR, o levantamento nos planos municipais de saneamento básico, a fiscalização da obra de drenagem no Canal Fragoso; no contrato de manutenção da rede de distribuição de água da Região Metropolitana; a aquisição de produtos químicos para tratamento de água e o acompanhamento de grandes obras relacionadas ao tema da universalização, como adutora do agreste e barragens.
Eles destacaram, em especial, a fiscalização com o tema “universalização do saneamento”, onde acompanham todos os atores envolvidos nesse processo verificando se as atribuições conferidas pelo novo marco legal estão sendo cumpridas por cada ente.
Rio de Janeiro
Fechando as apresentações do dia, a auditora do TCE-RJ Fernanda Greco Laureano relatou a experiência carioca na fiscalização do saneamento. Foi em 2021 que o TCE-RJ reestrurou a secretaria de controle externo, passando a atuar com direcionamento ao controle por políticas públicas e não mais pela divisão por órgãos e entidades. A mudança, segundo ela, trouxe desafios.
“Um desafio foi agregar o olhar da política pública, que é um olhar diferente. É um olhar que você não tem, às vezes, resultados tão concretos como uma imputação de dano, um retorno de valor ao erário. Mas você tem danos imateriais, que é o dano da melhoria da qualidade de vida, que às vezes temos dificuldades de mensurar de uma forma tão muito clara”, justificou.
Fernanda pontuou que outro desafio foi construir o conhecimento sobre as políticas públicas. Seguindo sua fala, ela explicou em, em 2022, foi realizada auditoria operacional na gestão dos recursos hídricos do Rio de Janeiro, no que tange à qualidade da água. “Foi o pontapé inicial.”
A auditora ainda destacou a relevância da atuação do Tribunal de Contas como indutor de politicas públicas, mas um agente impulsionador. “Nossa estratégia foi montada em três eixos: apoio institucional; ações pedagógicas, com cursos de capacitação para gestores; e ações subsequentes, mantendo esse tema na agenda do tribunal e dos jurisdicionados.
Concluindo sua apresentação, Fernanda ressaltou pontos importantes para o sucesso na atuação das Cortes de Contas na temática, como a manutenção da equipe ao longo dos trabalhos, autonomia da equipe técnica na condução da estratégia, apoio institucional para ações pedagógicas, abordagem de médio e longo prazo, envolvimento do Estado e municípios e foco nos eixos estruturantes do Novo Marco do Saneamento.
O Congresso
Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas tem por objetivo discutir a importância de uma visão estruturada da bacia hidrográfica como espaço de planejamento e gestão regional e local, em busca da universalização e da melhoria de eficiência dos serviços de saneamento básico, em conformidade com o Marco Legal do Saneamento.
A construção do CSTC nasceu da iniciativa do Grupo Temático de Saneamento da Rede Integrar e conta com a parceria de importantes instituições que, ao longo dos últimos anos, tem trabalhado para uma melhor a atuação dos tribunais de contas na fiscalização da política de saneamento, como Instituto Rui Barbosa (IRB), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) e Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop).
Em sua primeira edição, o I Congresso de Saneamento dos Tribunais de Contas está sendo sediado no Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES).
O evento ainda tem apoio do Comitê de Meio Ambiente e Sustentabilidade; da Rede Integrar do IRB; da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom); da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos (Audicon); da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON); do Conselho Nacional de Presidentes de Tribunais de Contas (CNPTC); e dos Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) e de Rio de Janeiro (TCE-RJ).
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