O Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) confirmou a ocorrência de irregularidades na Prefeitura de Ibiraçu, devido ao pagamento de gratificação a servidores efetivos sem amparo legal, e também de contratações irregulares pagas por meio de Recibo de Pagamento de Autônomo (RPA). Por este motivo, determinou a aplicação de multa de R$ 4 mil ao prefeito Diego Krentz (exercícios 2021, 2022 e 2023), e de R$ 3 mil ao ex-prefeito Eduardo Marozzi Zanotti (exercícios 2019 e 2020).
A decisão decorre de um processo de representação julgado pelo Tribunal na sessão virtual da 1ª Câmara no dia 25 de outubro. Nesse processo, o TCE-ES também julgou um incidente de inconstitucionalidade, no qual impediu o município de continuar aplicando artigo 28 da Lei Municipal 2.000/1997 de Ibiraçu, por violação à Constituição Federal.
Essa norma municipal dispõe que “fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a conceder por decreto gratificação de até 100% incidente sobre seus vencimentos mensais dos servidores efetivos”.
O Plenário do TCE-ES decidiu que a incompatibilidade com a Constituição Federal é devido à ausência de valor certo do benefício frente à situação determinada. O dispositivo, ao facultar ao prefeito arbitrar uma gratificação “de até 100%”, não está fixando a quantidade remuneratória (se 10, 50 ou 100%) nem a hipótese de incidência. Em se tratando de remuneração dos servidores, não se admite discricionariedade da Administração para a concessão da verba sem que se fira a impessoalidade e a moralidade, destaca a decisão.
Além disso, a análise da área técnica mostrou que na gestão atual e na anterior houve expressivo pagamento desta gratificação pecuniária de forma desmedida. A soma dos pagamentos oriundos desta “Gratificação do art. 28 da Lei 2000/97” (independentemente do percentual) em 2019 foi de R$ 55.276,90, e em 2020 R$ 51.234,37, saltando para R$ 207.067,55 e R$ 359.193,17 em 2021 e 2022 . Ou seja, a concessão da vantagem foi quatro vezes maior em 2021 e sete vezes maior no último exercício, se comparados a 2020.
Além da declaração de inconstitucionalidade desta norma, o processo discutiu se haveria irregularidade com os pagamentos. No voto, o relator, conselheiro Davi Diniz, frisou que os pagamentos efetuados até aquela data são considerados válidos e devidos, pois até então a lei era tida como constitucional.
“Até o julgamento final do incidente, a lei é tida como constitucional, ao passo que, após a declaração de sua inconstitucionalidade, os pagamentos se tornam indevidos e, consequentemente, devem ser devolvidos. Isso leva a crer que, por uma consequência lógica, até o julgamento do incidente os servidores estão amparados pela legalidade aparente da lei”, explicou.
Ainda sobre essa questão, o relator mencionou o julgamento do Tema 5311, no qual o STJ definiu que “quando a administração pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, o que impede que as diferenças sejam descontadas.”
“Assim, considerando que não cabe aos servidores o papel de legislar, tampouco se exige que tenham conhecimento jurídico e senso crítico acerca do recebimento de gratificações que estejam eventualmente eivadas de inconstitucionalidade, não devem sofrer punições por terem recebido os valores de boa-fé, confiando na presunção de legitimidade dos atos”, afirmou em seu voto.
No entanto, para ele, a irregularidade deve ser mantida, pois os atos de concessão da gratificação se pautaram em lei que desrespeita diretamente a Constituição, visto que a lei não especifica as hipóteses para se conceder a gratificação, tampouco a variação do seu valor.
Contratações irregulares
No processo, o Tribunal também confirmou a existência de outra irregularidade, pela realização de contratações irregulares por meio de Recibo de Pagamento de Autônomo (RPA). Foram coletadas evidências concretas da realização de contratação por meio de RPA para pessoas físicas desenvolverem atividades de servidores públicos, como serventes, auxiliares de serviço multifuncional, operadores de máquinas pesadas, calceteiros, ou seja, funções próprias do quadro municipal.
Ao contratar particulares para atuarem como servidores públicos, desempenhando funções próprias do quadro municipal, o prefeito está em desconformidade com a norma constitucional que exige concurso público.
No voto, o relator destaca que o RPA não se perfaz em um contrato de trabalho, mas, sim, em um documento que comprova o pagamento de serviços prestados por pessoas físicas a uma empresa, ou, no presente caso, à Municipalidade.
“O responsável insiste em argumentar que as contratações se deram em razão de necessidade temporária de excepcional interesse público. Contudo, não se utilizou da via adequada para suprir tal demanda (a contratação temporária de servidores públicos), tampouco buscou observar as premissas contidas nos permissivos legais e constitucionais que poderiam embasá-la, sendo uma situação que perdura até os dias atuais no quadro funcional da municipalidade”, frisa o relator.
Por este motivo, as duas irregularidades foram mantidas, com a aplicação de multa aos dois chefes do Poder Executivo. Ainda, o TCE-ES emitiu uma recomendação ao Município de Ibiraçu que implemente, de fato e com urgência, a restruturação do seu quadro de servidores e promova os concursos públicos necessários para a regularização das contratações, adotando futuramente, postura preventiva quanto a eventual demanda de força de trabalho que possa surgir.
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