O Plenário do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) fixou entendimento jurisprudencial sobre as irregularidades de “despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres de mandato sem suficiente disponibilidade de caixa para pagamento” e de “realização de despesa orçamentária sem prévio empenho”, que podem constar em Pareceres Prévios da prestação de contas de gestores.
A Corte julgou, na sessão virtual do Plenário do dia 23 de novembro, o Incidente de Uniformização de Jurisprudência que analisou esta temática. O Incidente foi instaurado pelo Plenário tendo em vista a existência de deliberações diversas do TCE-ES sobre esses temas.
Após análise, o Núcleo de Jurisprudência e Súmula do TCE-ES constatou entendimentos divergentes do tribunal ao julgar casos com circunstâncias fáticas semelhantes ou até mesmo idênticas envolvendo essas duas irregularidades, e opinou para que a divergência jurisprudencial fosse reconhecida. Em seguida, o relator do processo de incidente, conselheiro Rodrigo Coelho, apresentou uma proposta de entendimento a ser fixado, a qual foi acompanhada pelo Plenário.
“A uniformização de jurisprudência tem a finalidade de evitar a prolação de decisões divergentes num mesmo contexto, a respeito do mesmo assunto, buscando, portanto, uma manifestação plenária em razão da existência de decisões conflitantes proferidas”, argumentou Coelho, no voto.
Assim, definiu-se que a análise das irregularidades sobre as “despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres de mandato sem suficiente disponibilidade de caixa para pagamento”, e “realização de despesa orçamentária sem prévio empenho”, deve observar se foi cumprido o estabelecido no artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que o controle de despesas sem disponibilidade de caixa não se aplica apenas no último ano do mandato, mas durante toda a gestão.
Se a arrecadação não atender às metas fiscais estabelecidas, o gestor deve limitar os empenhos e movimentações financeiras nos 30 dias subsequentes.
Além disso, deve ser avaliada a culpabilidade do agente público na análise de irregularidades, com foco em atos dolosos ou com erro grosseiro. A aplicação da pena deve levar em consideração a legalidade estrita, as dificuldades práticas enfrentadas pelo agente e as consequências de suas ações, conforme os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Além da LRF, as leis que embasaram a nova jurisprudência foram a Lei do Direito Financeiro (Lei nº 4.320/1964) e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Fundamentação
Em sua análise sobre o tema, o conselheiro Rodrigo Coelho considerou essencial destacar que as práticas de “Despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres de mandato sem suficiente disponibilidade de caixa para pagamento” e “Realização de despesa orçamentária sem prévio empenho” estão interligadas, envolvendo aspectos críticos de controle, legalidade e transparência na execução do orçamento público.
“Nesse cenário, a harmonização de entendimento desempenha um papel crucial na garantia da uniformidade na aplicação das leis e regulamentos que regem a gestão dos recursos públicos no Brasil. Isso se configura como um elemento fundamental para o fortalecimento da governança e da integridade na administração pública, promovendo não apenas a eficiência e a legalidade, mas também a confiança da sociedade nas instituições governamentais”, defendeu.
Diante da divergência jurisprudencial, realizaram-se diversas análises para decidir qual(is) entendimento(s) deveria(m) prevalecer. Ele pontuou que o arcabouço legal que norteia a responsabilidade fiscal é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Despesas no último quadrimestre
Quanto às despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres de mandato sem suficiente disponibilidade de caixa para pagamento, o relator demonstra que o art. 9º da LRF prevê que o controle pela Administração Pública sobre a contração de despesas sem suficiente disponibilidade de caixa não é necessária somente no último ano de mandato, mas em todos os exercícios da gestão.
Isso porque caso não haja arrecadação suficiente para cumprir as metas de resultado primário e nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, esta deve determinar que o gestor estabeleça critérios para a limitação de empenhos e movimentação financeira nos 30 dias subsequentes ao bimestre em que se constatar o desequilíbrio.
“Por esse motivo, atenção especial deve ser dada ao controle das metas que devem ser concomitantemente acompanhadas e avaliadas ao final de cada bimestre, conforme determina a LRF”, ressaltou.
Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal não contempla, em termos gerais, nenhum elemento extraordinário que justifique a dispensa da obrigação imposta pelo artigo 42, na análise do relator.
“Desse modo, não pode ser admitido que a queda na arrecadação justifique a exclusão da aplicação de sanções ao Município e, por conseguinte, ao gestor. Também não deve prosperar qualquer fundamentação sobre a insignificância do valor a descoberto sem disponibilidade de caixa que seja suficiente para mitigar a irregularidade. Pois, o legislador estipulou na LRF mecanismos em prol do gestor, a exemplo do acompanhamento bimestral das receitas e da limitação de empenho e movimentações financeiras, para que seja efetuado o controle tempestivo dos gastos públicos justamente para se precaver com relação a esta hipótese de queda de arrecadação”, concluiu.
Despesa sem empenho
O relator destacou que a realização de despesas sem prévia emissão de empenho constitui despesas irregulares, que ofendem a tríade do gasto público (empenho, liquidação e pagamento), a qual deve ser obrigatoriamente seguida pelos gestores públicos.
E o artigo 9º da LRF estabelece que o controle de despesas sem disponibilidade de caixa não se aplica apenas no último ano do mandato, mas durante toda a gestão. Se a arrecadação não atender às metas fiscais estabelecidas, o gestor deve limitar os empenhos e movimentações financeiras nos 30 dias seguintes.
“Foi estabelecido que o empenho deve ser feito previamente, e a despesa só pode ocorrer depois da liquidação. É imperioso destacar que o cancelamento de notas de empenho não anula a obrigação contratada. Portanto, a realização de despesas sem a emissão prévia de empenho é irregular e fere os princípios do gasto público”, detalhou.
Culpabilidade
Após a análise da irregularidade em relação à lei, o relator pontuou que há a necessidade de se analisar a culpabilidade do agente, de forma que esta passa a ser o principal fator a ser considerado no julgamento.
Ele concluiu que a legalidade estrita é que norteará quando da manutenção ou não da irregularidade. Mas quanto à sanção ao agente, deve-se observar as dificuldades práticas que ele enfrentou e suas consequências), sendo passível de justificativa esse descumprimento, tendo, ainda, seus atos analisados conforme a gravidade, segundo os preceitos contidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e também considerando eventuais excludentes de culpabilidade e ilicitude a serem verificadas.
“É necessária a avaliação do caso concreto à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, erro grosseiro e culpa grave”, pontuou.
Tal interpretação considera a redação do artigo 28 da LINDB, que a partir de 2010 passou a condicionar a responsabilização do agente público à prática de ato doloso ou de ato contaminado por erro grosseiro, restringindo, com isso, as hipóteses de responsabilização de agentes públicos por atuação culposa.
Desta forma, o TCE-ES concluiu esta uniformização de jurisprudência, e esta decisão será apensada do processo do qual se originou o incidente, que foi o Recurso de Reconsideração 10290/2019, para que seja dado prosseguimento a apreciação do processo principal e a tramitação daqueles alcançados.
A decisão também foi remetida ao Núcleo de Jurisprudência e Súmula (NJS), para oportuna apreciação da possibilidade de elaboração de enunciado de súmula sobre a matéria.
Informações à imprensa:
Secretaria de Comunicação do TCE-ES
secom@tcees.tc.br
(27) 98159-1866